quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Fio Maravilha!



“Fio Maravilha! Nós gostamos de você! Ti-ri-ti-ti-ti-ti-ri-ti! Fio Maravilha! Faz mais um pra gente ver!"
O carro balançava com a nossa cantoria:
"Sacudindo a torcida aos 33 minutos do segundo tempo."

Era noite de Natal. Estávamos a caminho da casa de uns amigos brasileiros. O Fio Maravilha inusitado no rádio e um frio brutal nas ruas de Maryland. As árvores peladas exibiam galhos mirrados enfeitados com luzinhas.

Pouco antes de sair de casa, falamos pelo Skype com a família, que estava reunida na casa da minha avó. No telefone, a Bisa me chamou de “a minha neta preferida”. Era uma maneira de me agradar, já que ela não tem mais idéia de quem eu sou. "Minha neta preferida" é como a Vó Linda chama qualquer uma que a chame de Vó.

Antes mesmo da nossa ceia começar, a ceia no Brasil já estava acabando, por conta da diferença de fuso horário. Soube que no meio da comilança, com tantos filhos, netos e bisnetos, a Vó Linda perguntou: “Esta gente toda, que horas vai embora?” Soube também que uma irmã da Vó Linda tirou a dentadura e jogou pela janela. Depois riu. Riu muito.
Aqui, longe da família e do país, o rádio continuava: “Fio Maravilha! Faz mais um pra gente ver!”

Lembrei da minha Bisavó Nazira, tataravó das minhas filhas. Já bem velhinha, a Bisa Nazira chegava na nossa casa com sua bolsa pretinha na mão. Sentava no sofá. Pouco depois, levantava e dizia: “Vou dar uma volta.” Com seus passos miúdos, sumia pelos quartos de nossa casa e voltava com a bolsa cheia de coisinhas que havia achado pelo caminho: fivelas de cabelo, pequenos brinquedos, perfumes. Voltava de seu "passeio", nos chamava e distribuía nossos pertences dizendo que eram presentes que havia comprado pra gente.
Estas lembranças antigas, com as notícias novas da família e a companhia dos amigos brasileiros esquentaram nossa fria noite do primeiro Natal passado por aqui.
"Que a galera agradecida assim cantava:
Fio Maravilha! Nós gostamos de você!
Fio Maravilha! Faz mais um pra gente ver!"

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Mania americana

Nove da manhã toca o sinal. As crianças caminham para as classes, em filas e sem correr. Nem tente correr! Na sala, o dia começa com o "Morning Show". As crianças se revezam no comando do juramento à bandeira americana apresentado no canal de tv interno da escola. Todos, de pé e com a mão no coração, recitam o juramento:
"I pledge allegiance to the flag of the United States of America", e blá, blá, blá.
Ah meus caros, caso você esteja atrasado e o juramento comece antes que você consiga chegar à sua sala pare imediatamente seja lá onde estiver, no corredor ou quiçá até no banheiro, e faça como os outros: mão no coração e a mesma ladaínha.

- Quando a gente chegou eu não sabia falar inglês quanto mais juramento à bandeira- contou minha filha mais velha- Sabe o que eu fazia? Deixar cair qualquer coisa no chão só para pegar e disfarçar. Ah, também me escondia no lugar que a gente guarda as mochilas.
-Na minha classe tinha a letra na parede. Eu só mexia a boca, sabe tipo dublar?

Outra maneira de encarar a hora da bandeira é brincar, sem que te descubram, com silly putty.
Silly putty é uma mania entre as crianças daqui. É uma massinha de muitas utilidades: serve para modelar, pregar desenhos e até quadros na parede, e principalmente, para as crianças se distraírem quando a aula está chata:

- Fico brincando com o meu silly putty na aula de Estudos Sociais. Às vezes, enquanto estou assistindo a aula, começo a pensar numa música... é que a professora fala muito, daí todo mundo quer falar alguma coisa.- contou J.
- E você, não tem nada pra falar?- perguntei.
- Não. Eles falam que o bisavô lutou na querra, que o pai está no Iraque consertando avião. Só de guerra e guerra. Ninguém da nossa família foi, está ou vai pra guerra. Vou falar o quê? Que acho a guerra ridícula? Olho para a cara deles enquanto minhas mãos brincam com o silly putty embaixo da mesa.

É minha gente, os pequenos têm que aguentar esta ladaínha diária da bandeira nas escolas ou falar do absurdo da guerra do Iraque que o Bush inventou.
Por isso eu defendo: Silly putty na mão da molecada.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Achei o papai!


Num momento de saudade braba, a menina achou uma camisa do pai esquecida no armário. Tirou-a do cabide e dormiu abraçada nela. O pai tinha ido para Washington na frente, e ela só iria encontrá-lo três meses depois. De manhã, encontrei a camisa, vazia de gente, delicadamente ajeitada na poltrona em que o pai costumava sentar:

- O papai tá lendo jornal.- as meninas me informaram e voltaram a brincar.

Na manhã seguinte, acordei com uma discussão das duas:

- O papai já ficou muito com você, agora é minha vez!

- Não, ele é meu.

Cada uma segurava uma manga da camisa e tentava garantir o "pai" para si.

- Júlia, Júlia, olha só, você deixou o papai cair no chão!

E assim a camisa passou a fazer parte da nossa família. Frequentava os almoços de domingo na casa da avó, sentava toda manhã na poltrona para ler o jornal, e participava de sessões filme pipoca.

Na semana passada saiu uma matéria no Washington Post contando sobre os "Flat Daddies". São pais de mentirinha das crianças cujos pais de verdade estão na guerra. Uma mãe teve a idéia de fazer um boneco pai. Representou o sujeito numa silhueta de papelão com uma foto ampliada grudada onde seria o "rosto". O papelão senta na cabeceira da mesa nas refeições, ao lado dos filhos na hora da lição de casa, sai nas fotos de família, ou seja, participa do dia-a-dia das crianças. A partir daí a idéia decolou e os tais "Flat Daddies" passaram a ocupar o lugar vago nas casas dos soldados que estão na guerra.

E você, já teve um pai camisa massarocada ou um Flat Dad?

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Domesticamente incapaz




A máquina de lavar roupas gritou ardido como sempre- PIIIIIIIIIIIIIIIIIII!- anunciando o fim de seu trabalho e o recomeço do meu. Lá fui eu para o "Ensaboa mulata, ensaboa". Era hora de arremessar as roupas da máquina de lavar para a máquina de secar, que fica ao lado. Abri a porta da máquina e encontrei , sentada dentro da máquina no meio das roupas, minha sogra. Sim, dentro da máquina tinha uma sogra. Veja bem, como se fosse muito natural estar ali, ela desembestou a falar, dando todo tipo de dica doméstica. Abandonei-a falando sozinha e fechei a porta da máquina. Ainda ouvindo sua voz ao fundo, cada vez mais fraca, abri os olhos.
Ufa. Mas as roupas se acumulando no cesto não eram sonho. Eram bem reais, não havia a menor chance de fugir delas. Mas antes, preguei na parede uma gravura que comprei por aqui. Tem o retrato de uma mulher de perfil, arrumada e olhando para o observador. Ao lado, os dizeres: "Domestically disabled".

Enquanto eu ouvia música no i-pod tentando transformar o momento ensaboa numa lúdica aula de dança, lembrei de uma amiga brasileira que mora por aqui há uns três anos. Ela queixava-se de saudade da terrinha. Do que ela mais sentia falta? "Empregada, né!"

Outra amiga contou que no tempo em que morou aqui jogou muita roupa no lixo. "É mais fácil e sai mais barato ." Encardiu, lixo.
E a adolescente que veio fazer intercambio! Quando soube que teria que se responsabilizar pelas roupas uma vez por semana, ligou chorando para os pais:"Esta família quer me escravizar! Preciso ir embora. É urgente. Manhêêê!"

O fato é que a sociedade americana tem um aparato gigantesco para ajudar as famílias a lidarem com as tarefas chatas, pois a maioria esmagadora dos americanos vive sem ter quem faça o trabalho de casa para eles. Aqui não se usa ferro, a roupa sai prontinha da máquina. Camisa? Manda para a lavanderia. Alho vem picado, cebola idem, salada lavada e por aí vai. Todos os supermercados funcionam também como restaurante por quilo. O pessoal se serve e come por lá mesmo. Come-se muito congelado e nheca para salvar tempo. Mal comecei a elaborar as causas da obesidade americana, quando uma amiga inglesa desmontou toda minha teoria. Na Inglaterra, ela contou, mesmo as famílias se virando sem empregada, ninguém abre mão de comer bem e obesidade não é um problema na terra de rainhas e princesas.

No fim de semana é comum as crianças ajudarem a tirar as folhas do outono caídas no quintal, enquanto os pais encaram o dia da faxina.
Quem prestar atenção aos seriados americanos, poderá ver Carmela, mulher do carismático e poderoso mafioso Toni Soprano, cozinhando e correndo cuidar da roupa quando a máquina apita.

É meus caros, nem tudo é glamour na terra do tio Sam

Ensaboa mulata, ensaboa
Ensaboa
Tô ensaboando...


domingo, 18 de novembro de 2007

Um País de Muitas Caras



O vôo padrão de São Paulo para Washington aterriza por aqui às 6:30 da manhã. No último sábado, lá estava eu aguardando amigos que chegariam num vôo com duas horas de atraso. Li os jornais, perambulei pelo aeroporto, e depois de tomar o terceiro café expresso, sentei. Um moleque quase tropeçou no meu pé enquanto corria pelos corredores. Logo atrás vinha seu pai tentando alcançá-lo e manter intacto o buquê de flores que equilibrava na mão. Atrás dele a mãe do garoto trajando uma saia laranja. Ao seu lado, a avó com um casaco amarelo, a tia, o tio e a bisavó também com roupas coloridas, seguiam o moleque. O único da família que permanecia sentado era o avô, segurando um outro buquê de flores e olhando atento para o portão de desembarque. Ele se levantou quando o vôo vindo da África aterrizou. Assim que o primeiro passageiro surgiu, o avô estava a postos para recebê-lo com abraços e flores. Quanto ao outro buquê, foi entregue quase sem flores, mas com muita festa. A família foi se afastando com os carrinhos abarrotados de malas. Desta vez era o visitante que brincava de correr atrás do moleque. Logo o saguão ficou silencioso. As cadeiras ao meu redor foram pouco a pouco ocupadas por orientais. Cada qual, sozinho ou no máximo em duplas, aguardava seus familiares. Vestiam-se com cores sóbrias: branco, preto ou cinza. Enquanto eu tentava distinguir se eram chineses, japoneses ou coreanos, passageiros começaram a aparecer no portão. Meus vizinhos de cadeira foram recebê-los com cumprimentos à distância, num abaixar e levantar do corpo. A ausência de barulho ou contato físico era plena de alegria . O nível da emoção do reencontro podia ser notado pelo aumento gradual na velocidade dos cumprimentos que trocavam. Observando as roupas, pescando pedaços de conversas, brinquei de adivinhar a nacionalidade das mais variadas pessoas que passaram por ali. Assim que o vôo vindo do Brasil aterrizou, troquei de lugar: Saí da cadeira, e de observadora e corri para o abraço.
O saguão daquele aeroporto era um pequeno retrato da diversidade de pessoas que convivem neste país.


domingo, 11 de novembro de 2007

Retrato de uma americana


M. é uma de nossas vizinhas americanas. Tem duas filhas, um cão Labrador, um emprego como médica que só lhe ocupa dois dias na semana, e N., o marido que é advogado e só folga no trabalho aos sábados. M. sempre tem alguma dica de médico, dentista, supermercado, e tudo o que você precisar. É coordenadora do voluntariado na classe das filhas na escola, leva as crianças aos jogos de futebol aos sábados- soccer mom- à dança às terças, às aulas de hebraico às quintas. Num fim de semana, às 8 da manhã, enquanto eu ainda estava aproveitando o sono dos justos, o telefone tocou. Era M. chamando:
- Eidrianaaa, good morning. It's beautiful outside!!!!!
M. Contou que levantou às 6 da manhã, terminou um trabalho, levou na casa de outro médico, arrumou a casa, e estava me convidando para caminhar com ela e seu cão labrador. No susto acabei topando. No caminho, ela contou:
- L.- o marido- nunca fala do trabalho comigo. Mas ontem, eu comentei do adolescente que fazia baby-sitter e descobriram que ele molestava as crianças. Aí, sabe o que N. me contou? Que ele, o meu marido veja bem, é o advogado de defesa do adolescente. Ele só me contou porque seu nome tinha aparecido no jornal e eu ficaria sabendo. Fiquei indignada! N. é contra a pena de morte.O que você acha?- M. e o cão olhavam para mim esperando uma resposta.
-Também não concordo com a pena de morte.-falei.
Não sei exatamente quem ela pensava que sou, mas certamente achava que eu faria eco ao o que ela acreditava. Surpresa, fez silêncio, mas logo quebrou:
-Tá vendo aquela casa ? Morei ali quando fazia faculdade. Nossa, a gente bebia muito. Morava um monte de estudante perto.
O cachorro fez cocô e M. tentou recolher. Não achou os vestígios e desistindo de se livrar da “nheca", perguntou:
-O que vocês no Brasil pensam de nós americanos?
Ó Deus, como evitar a “nheca agora”? O que responder?
- Bem- comecei- a gente acha que vocês têm muitas qualidades. Caso contrário, nunca teríamos mudado para cá. Mas têm algumas coisas que a gente não concorda. A guerra que o Bush começou e...
-Sabe- ela me interrompeu- minhas amigas e o N.- o marido- não concordam comigo. Não sei se você vai me entender. Depois do 11 de setembro eu mudei. Senti vulnerável, amendrontada e querendo proteger minhas filhas. Votei no Bush, achei que ele me daria mais segurança, você me entende?
Discordo completamente, embora possa entender.
Mesmo os americanos mais reacionários estão agora contra o Bush. Mas M. é a favor da pena de morte, e da guerra!!! Pensava, quando M. disse, mudando radicalmente de assunto:
-Quanto tempo vocês ainda ficam aqui nos Estados Unidos?
- Mais um ano e meio.-respondi
-Sabe, falei de você para uma amiga. É tão engraçado. A gente é de país diferente mas os problemas são tão parecidos: Como lidar com os filhos, com o trabalho, carreira, marido, lazer. Vou sentir muito sua falta quando vocês voltarem. Anyway, bye, see you tomorrow.
M. se despediu, sem deixar de dizer, como de costume:
-How it's beautiful outside, isn't it?
Fim da caminhada camarada.

sábado, 3 de novembro de 2007

E quem olha as crianças?


Quando o frio começa é difícil não sucumbir ao apelo do lar, cobertor e vinho. Mas se desistirmos de sair à noite em outubro, imagina em fevereiro? Além do frio, quem tem filhos e quer passear precisa desafiar o bolso e pagar uma baby-sitter com o taxímetro rodando alto.
Tivemos diferentes baby- sitters por aqui.
A primeira foi Cristina, uma estudante do Equador. Quando voltamos do passeio, as crianças dormiam e a baby-siter estava exausta de tanto dançar:
-A Laurinha me deu aula de samba- explicou Cristina- mas me disse que alguns passos eram difíceis de lembrar porque vocês estão longe do Brasil. Nossa, ela dança bem, né?
Enquanto eu ouvia a baby-siter, pensei: Desde quando a Laura dança, ainda mais samba?????
Às vezes vem a brasileira olhar as meninas para mim. Com essa a Laura nunca ousou dar aulas de samba. Teve um domingo que precisávamos de baby-sitter, mas é justamente o dia em que a brasileira frequenta a igreja. A moça foi gentil e até sugeriu levar as meninas com ela no "culto". Achei que não seria uma boa idéia, sabe por quê? Uma vez a Júlia foi na missa com a bisavó, numa pequena cidade do interior do Paraná. A pequena voltou dizendo que o teatro estava ótimo! Para confirmar, minha avó acrescentou que a Júlia gostou tanto que aplaudiu no final. Só ela, evidente. Achei melhor poupar a brasileira de pagar mico na igreja e acabei procurando outra baby-sitter.
Resolvi seguir o conselho do povo daqui: chamar alguma estudante que more bem perto e queira ganhar uma grana. Encontrei a adolescente que mora duas casas da nossa. Ela adorou a proposta, mas quase sempre tem festa nos mesmos dias em que precisamos dela.
Mas há alternativas à baby-sitter. Uma delas é mudar para cá trazendo alguém do Brasil. Outra é revezar com casais que têm filhos da mesma idade. Ou então, deixar as crianças se cuidarem por conta própria. Temos uma amiga que paga para o filho de 13 anos olhar o de 3 . A lei aqui permite que crianças a partir de 12 anos fiquem só e responsáveis pelos menores. E finalmente, claro, tem aqueles amigos queridos, brasileiros, veja bem, que vão passear com suas crias enquanto você corre pra um cinema.
É importante resistir a tentação de hibernar, achar alguém para olhar suas filhas, vestir um monte de casacos e desistir, ops, e se divertir!
Outra noite fomos assistir um amigo tocar em um Cabaré muito louco. O lugar tem um museu de esquisitices, circo de pulga, fotos da engolidora de espadas e bichos dentro de vidros. Dá de 10 no circo du Soleil!!!
Baby-sitter a gente encontra em qualquer lugar do mundo. Mas para falar a verdade, nada como ter por perto a delícia da casa e dos mimos da avó. Esta sim dá de 1.000 em qualquer baby-sitter que a gente encontre por aqui.

domingo, 14 de outubro de 2007

Halloween



Outubro por aqui é todo laranja, das folhas das árvores do outono às aboboras do Halloween. Para contribuir com a coloração da cidade e entrar no clima do Halloween, compramos duas abóboras . Depois, seguindo as instruções de um kit que vem com folhetos explicativos e várias ferramentas para ajudar, as meninas fizeram caras nas abóboras. Muitas cavocadas depois e uma completa "inhaca" pelo caminho, colocamos as abóboras em frente da nossa casa, com velas acesas dentro. A maravilha durou pouco. No quinto dia as caretas ficaram realmente assustadoras. Mosquitos nojentos passaram a habitar e a se alimentar das abóboras. Tivemos que jogá-las no lixo.

Assim que voltamos para casa e trancamos a porta a campanhia tocou. Mas não tinha ninguém. Provavelmente eram só os espíritos das abóboras revoltados com o fim precoce que demos à elas. Mas as crianças viram um pequeno embrulho no chão. Eram dois pacotinhos cheios de guloseimas e uma carta que começava com "Halloween Phantom Ghost". Em seguida explicava o que as meninas deveriam fazer:

1.Pregue esta carta em um lugar visível para que todos vejam que o fantasma já passou por aqui.
2. Faça duas cópias da carta e prepare dois pacotinhos de guloseimas.
3. Escolha dois amigos e deixe a carta e o pacote para eles.
4. Aja à noite, no escuro. Você não pode ser visto. Toque a campanhia e corra .
5. Você só tem um dia para agir, seja rapido.

Vestidas de preto e perucas compradas para o halloween, as meninas saíram para agir no escuro. Andavam nas pontas dos pés. As folhas secas caídas das árvores faziam um barulho alto e cracolento. A primeira casa foi a de Alexandro, um menino americano de 12 anos, que adora futebol e tem várias camisetas do time brasileiro. A segunda foi a de Cath, a menina de Taiwan. Cinco degrais separavam a calçada da campanhia:
- Blim-blom.- (sei lá como é o som de campainha em inglês!)
Mal Laurinha deu as costas para fugir, o barulho da porta abrindo fez a garota dar um pinote e se esconder com a irmã atrás da árvore. Viram Cath e o pai olhando para os lados a procura de quem teria deixado o pacote ali, mas não viram ninguém.
Hoje a carta de "Phantom Ghost" já estampa a frente de todas as casas em que moram crianças.
Faltam 10 dias para a festa de Halloween.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Vai de carro ou de coleira?


- O povo aqui é doidinho por cachorros - dizia a brasileira que limpa nossa casa uma vez por semana - Sabe o que eu vi outro dia? Um cachorro passeando dentro de um carrinho de nenê.
Limpou mais uma vez a janela e continuou:
- Êta mundo esquisito.
Mas sejamos justos, pensei, este tipo de veneração com os cães não é um traço de personalidade apenas dos americanos.

No dia seguinte, estava eu andando, quando vi uma mãe passeando com o filho na coleira. A coleira não prendia no pescoço do moleque, ficava nas costas, como uma mochila com carinha de bicho de pelúcia. Dava até uma certa liberdade para o garoto, que curioso de mundo nos seus prováveis dois anos, tentava correr e pegar tudo. A mãe conversava com uma amiga. A amiga carregava um cão branco e penteado, tão penteado que seus pelos estavam mais em ordem que meus cabelos. A conversa das mulheres parecia boa, pois a mãe da criança nem olhava para o filho, apenas puxava a coleira de vez em quando para brecar seu pirralho de estimação.

Voltando aos cães: Um casal de amigos resolveu comprar um cachorro. Assim que começaram a conviver os dois perceberam que três era de mais: O cão estragava as roupas, latia muito e era carente. Chamaram, então, um profissional para ajudar a educar o cachorro. Depois de meses de trabalho, e zero de mudança, o casal decidiu:
- Ao inferno com este bicho. Não o queremos mais.
O treinador contratado por eles acabou ficando com o cão, de pura pena.
Hoje o casal de amigos tem um filho. Embora o pequeno também dê trabalho, como todas as crianças do mundo- eles não querem devolvê-lo.

Mas tem gente que devolve filho. Há uns cinco anos atrás, um adolescente aqui nos EUA foi pego com drogas. O moleque era brasileiro, adotado por uma família americana desde criança. A lei local diz que se fez coisa errada, que seja devolvido para seu país de origem. Sem falar português e sem conhecer ninguém por lá, o moleque foi deportado para o Brasil.

Imagine se a moda pega: Seu filho fez chilique hoje? Devolve. Bateu no irmão? Devolve.
Falar em devolver, preciso parar agora de escrever. O pessoal do correio está na porta. Vou despachar minhas filhas para o Brasil e colocar uns cães no lugar...

sábado, 6 de outubro de 2007

Os Nove de Little Rock



Os Nove de Little Rock é como ficou conhecido aqui um grupo de estudantes negros que participou de um episódio central na luta pelos direitos civis na década de 60. O caso fez aniversário por esses dias e todo mundo voltou a falar nele.

O que os nove estudantes fizeram foi tentar entrar numa escola do Estado do Arkansas que só brancos frequentavam. Era parte de um projeto de integração gradual nas escolas, patrocinado pelo governo federal. Acontece que o povo lá não gostou nadinha da idéia. Os estudantes brancos e suas famílias fizeram uma barreira para impedir que os negros entrassem. O governador mandou a polícia para ajudar a reforçar a barreira. A repercussão foi tão grande que o presidente da época interviu, dando uma bronca no governador e mandando soldados para ajudar e proteger os estudantes negros. Depois de várias tentativas, enfim, os nove conseguiram entrar. Mas a polícia teve que ficar de guarda na escola durante todo o ano letivo para evitar que algo ruim acontecesse.
Quando viemos procurar uma casa para morar aqui, a dica foi: procurem onde estão as melhores escolas e morem por perto, porque as crianças serão encaminhadas para a escola mais próxima da sua casa.
O ensino público aqui segue os ideais americanos de igualdade e oportunidade para todos, as escolas públicas funcionam e têm qualidade. Mas nem tudo é perfeito. As escolas se mantêm com as taxas arrecadadas no bairro em que estão. Resultado: a qualidade depende da condição econômica de quem mora na região.
Sabem quantas crianças negras havia na escola particular que minhas filhas frequentavam no Brasil? Zero. Aqui já contei dúzias andando pelos corredores da escola.

Trabalhando com formação de educadores no Brasil, vi de perto os problemas do ensino público em São Paulo. O sinal para o recreio parece uma sirene de polícia. Os livros e os brinquedos ficam guardados em armários trancados. Algumas professoras deixam os pequenos o dia todo sem fazer nada, nem desenho, nem livro, nem brinquedo. Mas nunca vi os pais reclamarem e vários me disseram que, como não pagam pela escola, acham que os professores estão lá fazendo um favor ficando com seus filhos.


sábado, 22 de setembro de 2007

Guerra aos piolhos



Há muitas diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos. Mas tem uma coisa que é absolutamente igual nos dois países.
Outro dia chegou uma carta de alerta da escola:
"Detectados casos de piolhos. Examinem a cabeça de seus filhos."
Piolho é igual em qualquer parte do mundo. Não faz distinção de raça, religião ou classe social. É um bicho politicamente correto. Mas tem que morrer mesmo assim.
Há tempos o remédio mais potente para matar piolhos era o Neucides, um veneno branco, feito o que usavam para exterminar baratas. Espalhava-se a coisa sobre o cabelo e em seguida amarrava-se um lenço ridículo para cobrir a cabeça. As crianças aguardavam enquanto os piolhos agonizavam ali embaixo do lenço. Era difícil aguentar. Os piolhos corriam na esperança de fugir, o que provocava uma coceira violenta. Depois, o cabelo das crianças era cortado bem curto. Para fingir que a razão do corte era mais nobre, a desculpa mais comum para os amigos era:
"Cortei para fortalecer meu cabelo."
Os piolhos vêm resistindo ao longo dos anos, mas felizmente os remédios têm evoluído bastante.
Os medicamentos mais modernos usam táticas parecidas com a do Bush na guerra do Iraque. A principal diferença é que eles funcionam e foram criados por um bom motivo.
Primeiro eles atacam os piolhos. Depois tem um frasco para acabar com as lêndeas, os ovinhos com os piolhos que ainda estão por nascer. O último canhão é um spray que espalha veneno pela casa toda.
Embora os piolhos sejam idênticos, cada país chama o bicho com nomes diferentes. Aqui o dito cujo é conhecido como "lice".
Aprendi o o nome do bicho logo no início da nossa experiência aqui. Eu estava esperando o ônibus escolar com as minhas filhas quando apareceu outra criança com a avó. A mulher perguntou se as meninas sentiam falta da família e dos amigos. Contei que minhas filhas tinham muita saudade dos cafunés da avó. Como eu não sabia dizer "cafuné" em inglês, mostrei o que era. A mulher entendeu tudo errado e se afastou com nojo da gente:
"Lices!"
Foi aí que o ônibus chegou. A mulher segurou a mão da neta e correu, antes que algum piolho voasse para a cabeça delas.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Homesick

O moleque de 13 anos ia fazer intercâmbio nos Estados Unidos . Olhou ainda pela janela à procura de seus amigos, dos irmãos, de seu pai, que estava orgulhoso dele, e de sua mãe.
A porta do avião fechou.
“ Apertem o cinto de segurança.”
O motor foi ligado. Ali ele se deu conta que ficaria seis meses longe de todos. Quis descer. Soltar o maldito cinto e sair gritando para o avião parar, que ele tinha mudado de idéia, melhor era ficar ali mesmo no dia seguinte tinha futebol. Enquanto isso, o avião acelerou até decolar. O frio na barriga foi tanto, mas tanto, que pra não sentir desepero de saudade o moleque decidiu que não pensaria nos queridos enquanto estivesse longe. E que nunca mais na vida faria um treco desse. Promessas que nunca cumpriu.
Uma amiga contou que suas filhas não viam a avó há seis meses. Quando a avó veio visitá-las, as meninas choraram muito. Só ali, enquanto abraçavam a avó, disseram, se deram conta do tamanho da saudade.
Como diz minha filha: “Se a gente pudesse importar os amigos e a família, morar aqui seria perfeito.”
Fomos para o Brasil de férias. Minha mãe estava com febre, um pouco mais cansada. Mesmo assim foi ao aeroporto se despedir de nós. Logo que atravessei a porta de vidro deixando-a para trás, senti como estas crianças.
Assim aprendemos na carne o significado da palavra homesick.
Mas pensando bem, tanto tempo convivendo dia e noite, já estava mesmo na hora de despedir. ..
Esse é o lado bom da distância.
Uma amiga contou que quando morou fora o filho sentia falta até do primo “insuportável”. Que longe virou o “primo mais legal do mundo.”
A distância é capaz de fazer milagres!!
Mas veja bem. Ouvi dizer que a distância perfeita da sogra é aquela nem tão perto que ela te visite todo dia, mas nem tão longe que tenha que se hospedar na sua casa.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Um ano na terra do Tio Sam




"Quem diria! Há um ano as meninas estavam aqui assustadas, esperando o ônibus para o primeiro dia de aula. Não falavam nem entendiam inglês. Agora não têm um pingo de sotaque."

Eu, com o mesmo velho e forte sotaque, concordava com os vizinhos.

No primeiro dia de aula é habitual que pais e mães acompanhem os filhotes até o ponto, munidos de filmadoras e máquinas fotográficas. Esqueci as minhas e fiquei só observando minhas filhas. Laurinha comemorava animada que estava livre da "Bruxa Maloney", a antiga professora. Mas agora ela tem que se enquadrar nas ordens da irmã. Júlia vibrava em seu primeiro dia como integrante da patrulha infantil que tenta manter a disciplina nos ônibus escolares aqui. Vestindo seu cinturão amarelo, um sorriso que estava impossível de controlar, Júlia agora é uma "patrol", como elas dizem. Imagina a vida da caçula tendo que acatar ordens da irmã mais velha?
Senti falta de Cathy. A garota de oito anos, com a camiseta sempre arrumadinha para dentro da calça, não pegará mais ônibus aqui. Voltou com a família para Taiwan, depois de quatro anos nos Estados Unidos. Deve estar lá, tendo que se virar para entender chinês e se readaptar a própria cultura.

A família veio à nossa casa se despedir no dia de partir. Como é costume deles, tiraram os sapatos antes de entrar. Estavam esbaforidos carregando vasos de plantas, um cachorro de pelúcia para as meninas lembrarem da Cathy e uma panela chinesa. Eu sou meio inábil com panelas, ainda mais uma cujas instruções de uso estão em chinês. Mas adorei os presentes e entendi o abraço que me deram. Eles se foram.

O ônibus apareceu. As crianças formaram a fila. Júlia, revestida da autoridade que conquistou, ajudou os pequenos a entrar, depois acenou para nós, toda cheia de si.

domingo, 26 de agosto de 2007

O país das Cidas


"Cida, quero leite."
Cida, como tantas outras, trabalha diariamente na casa de uma família brasileira. Cozinha, limpa, passa, cuida das crianças e leva a culpa quando algo na casa some:
"Cida, onde você colocou minha mochila?"
Até a pequena de três anos já sabe disto. Depois de bagunçar a sala com seus brinquedos, colocou a mão na cintura:
"Oia a bagunça que a Cida deixou!"
Um amigo contou que num final de semana a família se preparava para sair e o filho de 11 anos ainda estava descalço. Quando foi questionado, o menino rebateu :
"Mas ninguém me deu os sapatos, pô."
O garotão já beija as meninas na boca e vai ao cinema sozinho, mas se a "Cida" da sua casa está de folga, o tigrão mia... Pode?
Outra amiga contou que contratou uma motorista para trazer a filha e outras crianças da escola para casa. As crianças esticavam o pé de um jeito que quase acertavam a cabeça da mulher, que preferiu largar o emprego. Minha amiga teve que se virar e buscar as meninas na escola até acharem uma substituta:
"Agora sou a nova motorista", brincou.
"Você não precisa ser empregada, a gente tem dinheiro", a filha respondeu, acabando com a brincadeira.
Por aqui as "Cidas" ganham em média 100 dólares para trabalhar por quatro horas. Têm carro e casa própria e passeiam nos finais de semana. As famílias têm que dar conta de viver sem elas.
Para nós que estamos acostumados com a mordomia, é difíicil se adaptar no começo.
E não são só as Cidas. No Brasil, tem o frentista do posto para encher o tanque do carro, o moleque que carrega as compras do supermercado. Aqui, meus caros, pode estar nevando que você tem que se virar sozinho.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Despedida


Júlia e Laura voltaram chorando da festa de despedida de suas grandes amigas: Eleanor e Ruby. Depois de quatro anos morando aqui, as duas irmãs estão voltando para Oxford, na Inglaterra. Ruby, a mais nova, perguntou para sua mãe: "Quem é minha melhor amiga lá, mãe?"
Ela veio morar aqui quando tinha quatro anos. Fora a família, a menina não sabe exatamente quais são suas referências por lá. Eleanor guarda mais lembranças e não perdeu contato com as amigas inglesas. Catherine, a mãe das meninas, contou que a readaptação ao clima inglês será difícil. "Voltaremos a conviver com o céu sempre nublado." Matthews, o pai, morou por dois anos no Brasil quando pequeno. Não lembra nada do português, mas não esqueceu dos amigos.
Passamos lá no dia da partida, pouco antes que eles fossem para o aeroporto. A casa estava sem móveis. As crianças brincavam de se esconder atrás das malas. Depois, sentadas em roda no chão, uma delas propôs: "Quem consegue chorar?"
Todos se sentiram desafiados. As crianças espremeram os olhinhos, depois olharam para um ponto fixo qualquer e riram. Até que Camper, o único moleque da turma, conseguiu soltar algumas lágrimas. A brincadeira liberou as crianças para chorar sem vergonha.
Hora de ir. Abraços demorados. Ruby e Eleanor corriam na calçada acompanhando nosso carro, enquanto Júlia e Laura acenavam pela janela e diziam tchau até perder as meninas de vista.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Protetor de ouvido

L., alta, duas vezes eu. Fala rápido. Dirige, toma café e masca chiclete, tudo ao mesmo tempo. Há três anos voltou de Nova York. Trabalha o dia todo. O marido é músico. E ronca. Ela usa protetor de ouvido para dormir.
A. tem mais sorte. O marido não ronca. Ela ronca. Ele ainda não dorme com protetor de ouvido. Usa o cotovelo quando precisa.
C., inglesa, escreve livros didáticos. Está aqui quatro anos e prestes a voltar para Oxford. Tem loucura por antiguidades. Seu marido, que nem é tão antigo assim, ronca. Ela dorme com protetor de ouvido.
E eu? Gente, neste momento me dei conta de uma qualidade escondida de meu marido. O sujeito não ronca. Nem eu. Ainda.
Mas há outros motivos para usar os tais protetores.
T. e S., um casal brasileiro que mora aqui, alugavam um apartamento numa rua muito barulhenta, o que os obrigava a dormir com o tal protetor de ouvido.
Uma noite o barulho foi maior que a capacidade do protetor de proteger. O barulho continuava incomodando, e ela enfiava o treco mais para dentro do ouvido. Nada. Empurrava o treco de novo. Nada. Pela manhã o protetor tinha sumido. Ela e o marido tentaram puxar o troço. Nada. Foram ao pronto-socorro para que alguém resolvesse o caso. Levaram oito horas para tirar a coisa. Quase estouraram o tímpano dela.
Meu marido não ronca e moro no sossego do subúrbio. Eu estava quase me sentindo imune até um amigo contar que anda sofrendo com o barulho da natureza.
duas semanas ele acorda de madrugada com o canto do mesmo pássaro. É um tipo comum que vive por aqui. Vermelho, lindo e barulhento. Depois de observar um bocado o dito cujo, comprou um livro especializado no assunto. Sentava de pijama na janela, encarava o infeliz e até cantava para ele. Meu amigo estava obcecado, nem dava mais bom dia. Mal me via e começava a contar que horas o pássaro tinha tirado ele da cama, e imitava o bicho cantando. Desistiu de entender o pássaro vermelho. Aderiu ao protetor de ouvido, em prol de sua sanidade física e mental.
Nuca imaginei que o treco pudesse ser tão útil e popular.
Aqui vai mais uma dica. Além de ganhar dinheiro na faixa de pedestre para ser atropelado e ganhar indenização, abrir lojinha de protetor de ouvido pode ser um bom negócio na terra do Tio Sam.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

A bruxa


A bruxa está sentada na cadeira de balanço. Corcunda. Balança-se. Vincos ao redor da boca. As unhas dos pés longas e vermelhas não cabem na sandália. Uma menina de uns dois anos ri, a bruxa bufa:
-Dá papel pra ela desenhar!
É uma maneira delicada que a bruxa tem para mandar a criança calar a boca.
Ms. Maloney é o nome da bruxa, professora da nossa caçula. Este é um dia especial, antes das férias, em que os pais foram convidados a assistir a apresentação de seus filhos. Cada um vestido a caráter apresenta uma personalidade importante da história americana. Após algumas dicas, somos convidados a adivinhar a identidade do sujeito.
Um garoto vestido de aviador é logo identificado como um dos irmãos Wright, que eles consideram os pais da aviação. Minha vontade era levantar e dizer que eles não sabem de nada, que quem inventou o avião foi Santos Dumont e que a Ms. Moloney é uma bruxa. Mas claro que em vez disso aplaudi o garoto.
Laurinha foi incumbida de apresentar a história de Martin Luther King. Os cabelos escondendo o rosto, o texto na mão e a gravata do pai pendurada no pescoço, arrastando no chão. Deu uma risadela e ajustou o nó, fingindo ser o personagem. Os pais riram.
-- Hummm -- a bruxa pigarreou, indicando que ali não era lugar de brincadeira.
Laurinha fez sua apresentação em inglês fluente, ninguém diria que há pouco a pequena não falava necas da língua.
Depois fomos ao piquenique e à entrega de presentes para a bruxa. Uma das mães fez um discurso em nome de todos agradecendo o excelente ano em que nossas crias passaram sob as rédeas curtas da bruxa. Não aplaudi. Bruxa, bruxa, bruxa. Soube depois que essa mãe escolheu a bruxa para ser professora de seu filho porque o moleque é muito indisciplinado, só uma bruxa para controlá-lo. Pobrezinho, bruxa mãe, bruxa professora.

domingo, 3 de junho de 2007

Clube




Fomos à piscina. Assim que chegamos, as meninas dispararam num pinote para a água.
“PRRRIIIIIIIII!”
Era o apito do salva-vidas. De pé lá na sua cadeira, encarava minhas filhas com reprovação. Um casal de amigos americanos explicou. Aqui é tudo organizado. Por meia hora a piscina é toda dos adultos. Mesmo que não tenha adulto reivindicando a raia. Depois, outro apito anuncia que as crianças estão liberadas para entrar. Regras são regras. Ah, nem pense em correr em volta da piscina. O homem apita.
Deitada na espreguiçadeira, Júlia observava as crianças escondidas em biquínis parecidos com os que minha bisavó usava. Tímida, olhou para o próprio biquini e se enrolou envergonhada na toalha. Laura bufava, como se não aguentasse esperar a vez.
Para mim, estava difícil segurar os quilinhos a mais dentro do biquini brasileiro e evitar que fossem expostos em terra estrangeira. Lisa, a amiga americana, usava duas peças, bonitas e gigantes. Pela boa forma ela poderia até usar um biquini brasileiro. Comentei que eu estava me sentindo fora de lugar. Ela contou de uma amiga que aterrizou em pleno Rio de Janeiro atrás de seu biquinão. Sentiu o mesmo.
“PRRRIIIIIIIII!”
Era a vez das crianças. Splash! Mergulhei também para não continuar me sentindo fora d’água.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Feira Internacional



Tem gente do mundo inteiro nesta cidade. Por isso as escolas promovem uma vez por ano uma Feira Internacional, para cada um mostrar o que seu país tem de bom.
Neste ano, na escola das minhas filhas estavam representados 15 países, dentre eles nós, Brasil com Z.
Fizemos painéis, escolhemos algumas músicas, artesanato e preparamos comes e bebes. Nossa barraca na feira ficou entre os chineses e os ingleses. De um lado, várias coisinhas "made in china" e cenas da festa do ano novo chinês eram exibidas na tela de um computador. Do outro, Harry Potter e os Beatles eram os abre-alas do país. Mas o povo não deu muita bola. Estavam mais interessados na comida.
Um americano se aproximou da nossa barraca. O filho encheu a boca de brigadeiro e apanhou várias paçocas, esmagando-as com as mãos descuidadas. O pai perguntou, de boca cheia:
“O Brasil fica na Antártica?”
Pouco depois, outro americano surgiu com a mesma pergunta.
E depois mais um.
O que a Antártica, cara pálida, tem a ver com a gente? Diz! O sujeito deve ter lido meus pensamentos, pois imediatamente apontou a garrafa do guaraná. “Guaraná Antártica”, como dizia o rótulo.
Logo chegou um amigo da nossa filha. Ele sabia localizar o Brasil no mapa e estava bem informado sobre a Floresta Amazônica. Júlia não ficou impressionada com a cultura do garoto. Assim que ele saiu, ela contou:
“Sabe o que ele me perguntou um dia? Se no Brasil a gente tem carros, se no Brasil as pessoas se vestem com folhas e se minha casa era feita com tronco de árvore.”
Os americanos, definitivamente, não são fãs do nosso futebol. O negócio deles é basquete.
Saldo final: Arremessaram todas as bolinhas de brigadeiro goela abaixo.

domingo, 13 de maio de 2007

Patrol



Quando sua filha não consegue dormir de emoção porque no dia seguinte ela poderá entrar na Patrol, a patrulha infantil que ajuda a manter a ordem no ônibus escolar, você pensa que talvez tenha chegado a hora de voltar. Quando você percebe que os olhos de sua cria ficam marejados cantando o hino americano na escola, ah, meus caros, é porque passou da hora de voltar.
Aqui as crianças têm que estudar ortografia com a lição de casa todos os dias. Mas elas adoram pôr a culpa em mim quando erram a grafia de alguma palavra na hora do ditado. Dizem que, com o meu sotaque, não conseguem entender nada!
Quer dizer, suas próprias filhas, que até então você ajudava com aquela superioridade dos adultos, ensinando tudo sobre a vida, começam a corrigir sua pronúncia de inglês na frente de todo mundo? É o fim!
Uma amiga contou que o filho outro dia puxou-a para um canto e pediu: “Mãe, vem cá. Não precisa falar inglês com meus amigos, tá?”
Tá o caramba! É impressionante como os pequenos são infinitamente mais capazes de aprender a melodia de uma nova língua e falar feito nativos do que nós, macacos velhos. Não conheço pais que falem inglês melhor que o filho. Os pais sempre ficam em desvantagem, enquanto os danados, completamente à vontade, aproveitam para desafiar a gente o tempo todo.
Acho que está na hora de voltar.

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Balas perdidas

No ponto esperarando as meninas voltarem da escola, conversávamos sobre o massacre na Virgínia. A identidade do atirador ainda era desconhecida. Um dos pais que estava lá brincou:
“Parece que o cara era brasileiro. Hahaha.”
Tão engraçado que minha boca não mexeu nem naquele: “Rir para não morder.”
Coincidentemente, no mesmo dia, o Brasil estava na capa do jornal Washington Post. Uma imensa foto de um menino ilustrava a matéria sobre a violência nas favelas.
“Pois é, meu caro”, respondi. “O Brasil tem milhões de problemas para resolver. Mas este tipo de coisa, sujeito entrar matando a rodo em escolas, é típico daqui, não? Nos Estados Unidos tem bala mirada, no Brasil a gente sofre é de bala perdida.”
Ao lado, as três babás estavam a sofrer, em espanhol, de terra perdida:
“Podría vivir aquí toda mi vida, pero nunca, nunca podría parar a faltar mi país y el almuerzo de la família.”
“Oh, Chinita”, emendava a segunda, lamentando a falta do gosto de mamão papaya e da maneira de falar de sua gente.
Já Olguita, a terceira das mulheres, de tanta falta que sentia, nada falou. Mas enxugando o canto do olho, concordou com tudo. Colocou a mão no ombro da amiga e balançou a cabeça na cumplicidade de quem se reconhece como imigrante.
Acabei, eu também, perdida nas lembranças do meu país.

domingo, 15 de abril de 2007

Chocolate amargo

Nesta Páscoa, ao invés ovos, procurei meu carro.
Estacionei o dito cujo por cinco minutos em frente à uma loja de produtos brasileiros. Comprei os dois ultimos ovos, gigantes, que nos esperavam na prateleira. Esta operação durou cinco minutos. Saímos, Laura e eu, felizes com a idéia de devorar saudosos alpinos. Mas cadê o carro? Levaram. No Brasil, ladrões e trombadinhasos são responsáveis por este tipo de serviço. Por aqui são empresas privadas que cumprem a mesma tarefa.
A dona da loja, que já viu a cena inúmeras vezes, nos levou ao local onde os carros guinchados são largados. Ela se desculpou pelo transtorno e disse que iria colocar uma placa avisando do risco de deixar o carro ali.
O depósito de carros era uma espelunca. Numa minúscula casinha, um moço sentado nos recebeu com um sorriso de: "Eba, pegamos mais um trouxa". A parede era decorada com um quadro. Nele, o desenho de um cão bravo e escrito o seguinte: “Levamos apenas três minutos”. É meu caro, o povo aqui trabalha rapido.
Para compensar o prejuízo da multa, estou pensando em seguir o conselho de uma amiga: “Tá sem grana, vai para a faixa de pedestre. "
É que os EUA são o paraíso dos processos. Basta um carro dar uma raspadinha em você para seu bolso se encher de dolares.
Bem, quem sabe na próxima Páscoa ao invés de engolir outro chocolate amargo como o guincho, eu consiga uma indenização bem saborosa na faixa de pedestre.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Muitos anos de vida


Fiz aniversário outro dia. Completei 39 anos, outra vez.
Na aula de inglês, paguei mico. Tive que assoprar velas com uma amiga do Equador, que tem metade da minha idade. Meu professor, que já fez 39 anos umas trinta vezes, comprou um bolo. Ele é o tipo de cara que pinta os cabelos, bigode e as sombracelhas de cor de caju. Veste camisas floridas. Põe os pés na mesa enquando dá aula e tenta cantar todas as mulheres do mundo. Abandona a classe algumas vezes para fumar e tosse o tempo todo. Ah, mas faz musculação para compensar.
Bon, meu amigo coreano, nos convidou para um almoço em um restaurante. Seria a comemoração dos nossos aniversários e do aniversário de sua mulher, e também uma oportunidade para ele me apresentar à sua família. Fomos, Cristina, a amiga do Equador, Bon, sua esposa, Miza, seu filho de dois anos e eu. Miza conversou conosco numa mistura de coreano e inglês e com ajuda da interpretação de seu marido.
Eles têm o hábito de trocar de nome quando vem morar aqui; depois de sofrer porque ninguém consegue pronunciar corretamente os seus nomes de batismo. Quem sabe eu também faça o mesmo? Pois aqui me chamam de “Eidreiana”.
Bem, além de dois nomes eles têm também dois aniversários. Comemoram o aniversário lunar e o solar. Mas presente que é bom, meu caro, só um. Não consegui entender muito bem a lógica da coisa. Mas é como se a idade começasse a ser contada a partir da gestação. O fato é que quando o bebê nasce, ele já tem um ano. Deve ser por isso que os orientais sempre entram no livro dos recordes quando se trata de longevidade. É tudo balela!
Foi aí que decedi: Já que eles podem somar, eu posso subtrair e comemorar 39 anos novamente. Basta cuidar para não pintar o cabelo de caju como faz meu professor.

sábado, 31 de março de 2007

Palmas no Parabéns


Nossa caçula, Laura, fez oito anos.
Aqui as festas para crianças duram duas horas cravadas. Convida-se de cinco a dez amigos. Os pais, todos ao mesmo tempo, chegam no horário agendado para recolher os rebentos na porta. Ninguém entra para comer um pedaço do bolo ou tomar uma cervejinha. Este é o script usual no país.
Procuramos seguí-lo, mas foi impossível!
Demos uma festa em casa para dezoito crianças. Tudo correu bem. Na hora do parabéns seguimos o ritual universal: apagamos as luzes, chamamos todos, acendemos as velas e:
“Paaaaaa...”
O Baltha e eu começamos a puxar a melodia do parabéns pela primeira sílaba, esticando para que todos se juntasssem a nós e déssemos continuidade juntos. Só que ninguém nos seguiu. As crianças olhavam para nós com cara de:
“Que raios está acontecendo?”
Enquanto nossas filhas envergonhadas lamentavam o “mico”.
E nós lá: “Paaaaaa...”
OK. Entendemos. Erramos o idioma. Desculpem. Largamos o “Paaaaaaa...rabéns” brasileiro e começamos o “Haaaaaa...ppy” americano. Em uníssono as crianças nos acompanharam. Mas sabe o que descobri? Parabéns americano não tem palmas. Pensa que é bobagem? Experimenta cantar parabéns sem acompanhamento das palmas! E em inglês, meus caros. Não quis nem saber, a festa era da minha filha e fiz do jeito que aprendi desde sempre. Em inglês, tudo bem. Mas as palmas ninguém tira de mim.
Claro que, além das bexigas, estouramos o tempo da festa. Quando os pais chegaram para buscar as crianças, elas ainda estavam com a venda nos olhos tentando furar a piñata, o balão cheio de doces. Mas só acertavam nosso braço! Alguns pais aderiram à brasilidade com muito gosto. Entraram, comeram e bateram papo.
Depois disso, além da bola de futebol, os americanos ficaram fãs daquela outra bola marrom, doce e deliciosa. Devem estar passando mal até agora, pois os brigadeiros acabaram em um minuto.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Alarme

Fritava um ovo: Disparou o alarme de incêndio da casa.
A temperatura subiu ligeiramente: Disparou o infeliz.
As meninas estavam brigando: O alarme gritou mais alto que elas.
O maldito alarme é uma bola pequena que fica grudada no teto da sala, próximo à cozinha. O teto é alto. Eu, minúscula. Tenho que pegar cadeira para alcançá-lo, mas ele não quer nem saber:
“Uoóóóuóoooooouóóó.....”
O bicho é muito assustado.
Conversando com uma amiga, ela contou como o marido resolveu a questão:
“Ele arrancou fora.”
Perfeita a solução!
Eu já estava em cima da cadeira, desta vez para arrancar a língua do barulhento, quando ela me dissuadiu da idéia. As casas aqui são feitas de material altamente inflámável. Incêndio e esquilo aqui é como banana no Brasil. Então tá, né? Melhor se previnir e aguentar o dito cujo a correr o risco de virar carvão.
“Tá vendo aquela casa ali- dizia uma amiga- queimou. A outra de portão vermelho. Queimou...”
Nunca tinha visto tanto carro de bombeiro em ação. A melodia da sirene é música de fundo da cidade. Experimenta dar umas batidinhas na parede de sua casa no Brasil. Dói a mão. Aqui, você escuta o eco. Deve ser por isso que nos filmes de ação americano os hérois quebram a parade com um mísero soquinho. E eu que atribuía o feito à força do galã...
Quem deve gostar das paredes ocas é nosso vizinho, ex CIA. Provavelmente ele escuta tudo o que se passa por aqui sem precisar usar nenhum tipo de maquinária complicada.
Lembra aquela história dos três porquinhos? O primeiro construi sua casa de palha, o outro, de madeira. Todas foram ao chão. Só o terceiro porquinho, ergueu a sua com tijolos. Firme.
Como a casa que eu morava aí no Brasil. Ai Brasil, meu sólido e saudoso terceiro mundo...

domingo, 11 de março de 2007

Troca de estação


Supermercados entupidos de gente. Filas de carrinhos cheios de pipoca, bolachas e tudo que é tipo de lanche americano. Televisão, jornal, rádio e vizinhos anunciando: “Vai nevar muito amanhã. Cinco polegadas! As escolas ficarão fechadas.” Fiquei tentando imaginar um morrinho de neve, mas não soube calcular quanto as tais cinco polegadas significavam. Mesmo assim, ficou claro que eu teria que suspender tudo para ficar em casa com as crias sem aula. Bem, finalmente elas veriam neve caindo para valer. Corri para comprar roupas e brinquedos apropriados para a gente se divertir. Fui para uma das imensas e famosas lojas de departamentos daqui, onde, como diria minha mãe, “tem de um tudo”. Entrei e dei de cara com sandalinhas, bermudas e maiôs. Roupas mais apropriadas para o clima do Brasil. Pensei:
“Nossa, a gente acha de tudo mesmo. Que maravilha!”
Só que depois de rodar a loja todinha não vi nada de roupa de frio, muito menos roupa para neve. Quando consegui achar uma vendedora para me ajudar, porque elas são o artigo mais raro, perguntei onde encontrar o que eu procurava.
“Minha cara”, disse a mulher. “Nós já estamos na primavera.”
“Primavera? Mas está nevando! A temperatura está 15 graus abaixo de zero lá fora!”
“Querida, nós estamos vendendo a coleção da próxima estação. A do inverno já era.”
Terminou de falar e deu as costas para mim.
Eles podem acabar com o inverno, mas não com a nossa diversão. Depois de muito rodar, consegui encontrar roupas e brinquedos em uma loja especializada em esportes radicais.
É, meus caros, o pessoal aqui faz tudo com antecedência.
Mas me disseram que no Japão é ainda pior. Lá, se o calendário diz que amanhã começa o inverno, pode estar um calor africano que sai todo mundo para a rua de casacão. A temperatura não importa, mas o calendário sim.
Talvez seja a hora de eu parar de me indignar e me adaptar logo aos costumes locais, aprendendo a planejar a minha vida aqui, ou... a nossa volta para o Brasil.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Preto no branco


Aqui os afro-americanos, que é a maneira politicamente correta de se referir aos negros, frequentam bons restaurantes, têm carros de último tipo e um padrão de vida muito superior ao dos negros do Brasil. Só que negros e brancos não se misturam. Mulato ainda não vi nenhum.
Há uma família negra no condomínio em que moro. Vieram de um bairro onde eram maioria e aqui estão. As duas irmãs, Cassandra e Moandra, vão sozinhas até o ponto do ônibus escolar e depois também voltam sozinhas para casa. Quase sempre estão atrasadas. A mãe trabalha o dia todo para manter a família. O pai? Está no Texas. Moandra carrega a pesada mochila, um enorme instrumento musical e o peso de ser responsável pela risonha caçula. Cassandra prefere se divertir na neve quando deveria correr para chegar a tempo de não perder o ônibus. O que costuma acontecer com certa frequência.
Outro dia Moandra esqueceu a chave de casa na escola e só percebeu quando desceu do ônibus. A caçula andava atrás dela dando croques na cabeça da irmã:
“Why do you always forget the keys?”, e lascava outro croque.
Moandra, melancólica, nem revidava. As duas sentaram em frente da porta de casa e lá ficaram. Perguntamos se queriam almoçar e brincar com as meninas em casa até a mãe chegar. Elas estavam absolutamente despreparadas para este tipo de oferta. Moandra agradeceu e disse que não. A caçula olhou de um jeito que queria dizer que não concordava.
Ficaram. Passou uma hora. Passaram duas horas. Laura e Júlia espiavam com dó as meninas pela janela. Levaram chocolates para elas. A caçula aceitou, sob o olhar de reprovação da mais velha. Quando já era noite a mãe chegou. E de cara trancada, enfim, abriu a casa.

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Línguas

Toda manhã as crianças do condomínio em que moro se reúnem no mesmo local para esperar o ônibus escolar. No primeiro dia em que levei minhas filhas até lá, ouvi três babás conversando em espanhol. Português e espanhol são línguas vizinhas e portanto é fácil a gente entender. Elas ainda não me conheciam e não sabiam deste detalhe. Assim, soltaram a língua e destilaram, em alto e bom som, um bocado de veneno sobre as patroas.
Uma delas, Chinita, veio com os filhos ainda pequenos. Dizia sempre: “Juro pela minha mãe que deste ano não passa, largo esta terra maldita e volto para minha Bolívia”.Vinte anos, três netos e severos invernos depois, ela parou de jurar que volta. Voltar para quê? Sua mãe morreu, sua irmã mudou de país e os amigos estão espalhados. Bolívia agora é só uma lembrança. A outra, veio com os patrões da Nicarágua e a terceira, Olguita, é do Equador. Lembram personagens de filmes do Almodóvar. A não ser Chinita, a boliviana, as outras não falam inglês, embora morem aqui há mais de dez anos. O diálogo entre elas e as crianças é surreal: A babá manda em espanhol, a criança responde em inglês, e não é que se entendem? Pela qualidade da interação, parece até que falam a mesma língua.
Mas agora que perceberam que entendemos o que falam, elas passaram a segurar um tantinho a língua. É uma pena.

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Aula de inglês

Arthur, era este o nome do personagem que aparecia em todos os capítulos no meu livro de inglês do ginásio. Ruivo, branco, mirrado e atrapalhado. Muito atrapalhado. Pois não é que saiu do livro e agora é meu professor? Cara de um, fucinho de outro!
Um dos sujeitos mais tímidos que conheci. Só que seu ofício exige que passe quatro horas de pé em frente de nosso grupo. O livro que ele usa está carcomido, as páginas caindo. E as canetas de lousa, umas seis. Toda vez que ele tenta escrever, abre uma, vê que não funciona. Fecha. Abre a outra. Tenta. Necas de funcionar. Fecha. Pega outra. Dias, semanas e inúmeras tentativas depois, um colega sugeriu que ele pegasse novas canetas e novo livro com a secretaria. Não é que resolveu!
Mas seu talento para atrapalhadas resiste. Há uma mesa em que ele coloca seu material, e ao lado dela um lixinho. Inúmeras vezes, no meio de suas explicações, o sujeito consegue enfiar o pé e metade da perna que ali fica, entalada. Ele “discretamente”, sob o olhar de todos nós, balança a perna tentando se desvencilhar do lixo, enquanto continua dando sua aula como se tudo fosse absolutamente normal, certo?
Nossa turma é composta por dez alunos. Quatro coreanos, dois de Taiwan, dois poloneses, uma africana, e esta brasileira aqui.
Todos os orientais usam palmtop. Quando eles não entendem algo, tentam se ajudar. Um em cada canto da sala, falando na sua língua, alto. Os ploloneses e os de Taiwan idem, só que um pouco mais discretos. Como o professor é este ser que comentei acima, a Ásia e a Europa se instalam alí, enquanto nós apenas observamos aquela melodia de idiomas.
Do meu lado costuma sentar um dos coreanos. No primeiro dia de aula fui comer um chiclete, e ofereci para ele. O rapaz ria de alegria. Pegou toda a caixa para si, enfiou no bolso antes que eu tivesse chance de pegar ao menos um. Abaixava e levantava a cabeça enquanto dizia palavras que provavelmente significavam:

“Obligado, obligado.”

Retribui com um sorriso besta e não tive coragem de reivindicar meu chiclete de volta.
No intervalo, meu colega de Taiwan, que chama-se F, sim, a letra do alfabeto, apresentou-me à sua amiga de outra turma. Ela sacou um porta-moedas embrulhado para presente de sua bolsa e me deu. Agradeci .
No final da aula, o coreano rindo e balançando novamente a cabeça, entrega-me um pacote de salgadinho. Era uma retribuição ao presente que eu havia lhe “oferecido.”-
Bem, acho que na cultura deles é praxe presentear as pessoas novas que conhecem. Porque ninguém me avisou antes?
Pois é. Inglês, aprendi quase nada.
Mas vocês nem imaginam como meu coreano melhorou!

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Primeiro dia de aula

Júlia acorda sozinha e veste a roupa que preparou de véspera. Toma café animada. O ânimo é engolido com o leite:
“Mãe, não sei falar inglês. Não quero ir”, diz chorando.
Laurinha, que foi guinchada da cama, chega atrás de seus cabelos que escondem o rosto miúdo:
“Tudo bem, Jú. Qualquer coisa você diz: 'May I go to the bathroom?'”
Depois de gastar a melhor frase de seu vasto inglês, abraça a irmã, e veste sua capa de coragem.
Vão no ônibus escolar que sai de nosso condomínio, nós seguimos atrás de carro.
Vamos buscá-las. Nunca tinha recebido um abraço tão apertado das minhas filhas. Laurinha, sem derrubar lágrima, mas sem piscar seus olhos assustados, contou que assim que chegou, a professora pegou os lápis de cor do seu estojo.
“Mãe, ela pegou todos, e eu não sabia falar que eram meus, e não da classe."
Chegou a hora do almoço. Por precaução, anotamos seu pin number, sua senha para pedir o almoço, num papel e na palma da mão. Na fila, chegou sua vez: o papel ficou na mochila, e o número registrado na palma da mão havia sumido no suor do primeiro dia de aula. Conseguiu a comida assim mesmo, mas não comeu nada!
De volta a sala, o medo inerente a nova situação foi ao limite quando soou o alarme de incêndio.
A professora dava as coordenadas em inglês, Laura não entendeu nada, mas lembrou do nossso combinado: Siga o fluxo. Fila na porta da classe, saem da escola.
Provavelmente, era só um treino.
Já no final do dia, e no limite do controle, Laurinha pede socorro para a professora:
“I... bus... horse.”
Ao contar sua história para nós, Laura acrescenta:
"Que mico. Eu queria dizer house, e disse horse."
E a tensão do dia é aliviada numa sonora risada.

Escola

Na última sexta-feira, as meninas e nós, passamos uma hora na escola. Conhecemos as outras crianças, seus pais e as professoras : Miss Hawes, professora da Júlia e Miss Veneziano, professora da Laura.
Baltha e eu nos dividimos. Acompanhei a Jú e ele foi com a Laura- que se garantiu com quem melhor domina a língua, claro!
Combinamos de no final trocarmos de sala.
Não era um encontro formal. As crianças brincavam pela classe, irmãos menores circulavam por ali e os pais conversavam, reencontro após férias, como deve ser em todo planeta. As carteiras arrumadas em pequenos grupos de 4, formavam um aconchegante semi-círculo. O nome de cada criança distribuídos pelas carteiras. Miss Hawes se apresentava aos pais. Deve ter uns 26 anos, agacha para falar oi para os pequenos. Comprimentei-a e contei que éramos brasileiros, chegando e blá, blá, blá, que a Jú não sabia ainda falar inglês, nem eu, e tal. Na lata eu queria garantir uma atenção especial para meu rebento, que me olhava de soslaio sem entender bulhufas do que acontecia. Miss Hawes disse que a Jú era a única estrangeira da classe, que ela teria aulas de inglês mas que tinham livros de história em Italiano. O que na perpectiva dela seria facílimo da Júlia entender. Fiquei surpresa de não encontrar outros estrangeiros, afinal o site da escola mostrava dados bem diferentes. Enfim, a professora mostrou o lugar da Jú e deu um papel para ela responder algumas questões sobre as férias, mas que ela poderia desenhar.
No horário combinado o Baltha chega para a troca de sala. Antes de ir ao encontro da Laura, apresento-o à professora e me despeço dela com um beijinho no rosto. Nem adianta me dizer: “Mas não te avisaram que americano não tem este hábito?” Avisaram milhões de vezes. Mas simplesmente estamos impregnados de Brasil. Faz parte da nossa cultura. Pela reação de Miss Hawes, ficou evidente que não faz parte da cultura dela!
Encontro Laurinha desenhando. Mostra animada onde fica seu escaninho, o tapete de história e sua professora. Volta a desenhar. Quando acaba, vira a folha para que eu veja e olha para mim. Ali, escondida no desenho, vejo uma bandeira do Brasil. Ao lado ela escreveu: “quero voltar”.
Aprendi hoje uma expressão daqui:
“No pain, no gain”.
Peguei-a no colo, e não pegamos um avião de volta.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Vizinhos Taiwaneses

“Moving. Sale.”
A placa, perto da nossa casa, veio a calhar.
Ainda precisávamos de muitos móveis. Fui a pé com as meninas conferir. Uma Taiwanesa miúda nos recebeu. Com seu inglês oriental e o meu inglês cucaracho, travamos uma conversa. O marido trabalha na embaixada e estão aqui há 3 anos. Voltarão para Taiwan no meio do ano que vem, mas já colocaram a venda alguns móveis. Logo ela me previniu sobre o inverno americano: - “Terrible”.
O que fez durante estes 3 anos?
-“Big house. Big, big. I take care of my daughter and the house.”
Quanto aos móveis, necas. Gostamos mesmo foi da bicicleta da Cath, a filha de sete anos. Mas logo a pequena explicou, num inglês perfeito, que aquela não estava a venda.
Saimos de lá de mãos abanando e rapidinho. Não quero desperdiçar meu tempo na América engolida pela “my daughter”, nem pela “big house!!”

domingo, 11 de fevereiro de 2007

O vizinho e a vigia

Agora era a nossa vez. Tocamos a campainha do vizinho e entregamos o bolo. Rod nos convidou para tomar um vinho com ele no final da tarde. Ele mora só. É separado e tem dois filhos. Sua ocupação? Aposentado da CIA. Depois acrescentou, fazendo graça:
- “Agora passo o tempo vigiando os vizinhos. “-
Logo descemos para Rod nos mostrar o basement. Pendurada na parede, conviviam uma nojenta cabeça empalhada de porco, outra de vaca, uma de veado e a última eu já nem sei... Pois comecei a imaginar pendurada ali a cabeça das minhas filhas, a do meu marido e a minha.
Ao lado dos bichos, vinham as armas.
E do nosso lado, ou contra nós, Rod, o vizinho americano.

Vizinho

Chegando em casa, dei de cara com o nosso vizinho. Ele se apresentou:
- “Smith, Rodney Smith”.- Estendeu a mão, balançando-a num cumprimento.
- "Adriana"- apresentei-me. Ele continuou balançando a minha mão. Vestia uma camisa com desenhos de carros.
- "Eidriana", ele repetiu.
Enfim, soltou minha mão, deu boas-vindas e nos despedimos. Minutos depois tocou a campainha. Era ele, Rod. Entregou-me um pacote amarelo brilhante com uma garrafa de vinho dentro. Agradecemos, convidei-o para entrar. Disse que outra hora e tal.
A regra da boa vizinhança americana prega que em retribuição tenho que fazer uma torta ou bolo. E não vale comprar pronto, minha filha. Tem que por a mão na massa. Quem mandou morar no subúrbio americano?
Mas eu não sou de torta nem bolo. Provavelmente o bolo sairá duro. Uhhh, vai pegar mal retribuir com um “tijolão”. E o pior, parece que o sujeito é ex-combatente do Vietnã! Vai que se arreta, né?

Bandeira e baderna

Chegamos em agosto. Fui andar pelos arredores da casa à noite. O calor era violento, só dava para caminhar com a lua na cabeça. Tudo tão limpinho, arrumadinho e igual. Quase todas as casas ostentam a bandeira americana. Silêncio sepulcral. As pessoas somem quando o sol se põe. Cada um se fecha na sua casa, com sua família, no seu umbigo. Andando tive uma vontade súbita de arrancar as bandeiras, perguntar o que estavam fazendo, bagunçar um pouco a ordem pra ficar parecido com o Brasil. Claro que o ímpeto ficou preso na minha cabeça.
No Brasil, a gente só coloca bandeira na porta em época de copa do mundo. E quando o Brasil perde o jogo, o povo rasga e põe fogo. Nossa bandeira queima na baderna. A deles nunca sai da janela.

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Preparativos

No Brasil, três casais que já haviam passado pela experiência de morar em Washington marcaram um jantar e me convidaram. Fui ficar a par de como seria nossa vida nos EUA. O jantar foi delicioso, regado a vinho. No início, eu só ouvia: "Experiência maravilhosa...", "Nossa, é o máximo". Depois da sobremesa quando as garrafas de vinho vazias ocupavam quase toda a mesa, uma das minhas amigas soltou na lata sua real experiência:
- Olha, eu entendo por que os americanos inventaram os fast-food. E por que são obesos. Lá, minha filha-- fez uma pausa para arregaçar as mangas da blusa e tomar fôlego -- a gente só cuida da casa, dos filhos. Lá não tem empregada não!!! Se eu ficasse um dia a mais, estaria igualzinha a elas.
Para me convencer de que ir era a melhor opção, comecei a elencar as maravilhas que meu marido, que já estava lá, havia me contado:
- Nossa casa é bem bacana, vi fotos. Ele contou que tem esquilos no quintal...
As duas levantaram-se imediatamente:
- Esquilos!!! Fique longe. Aqueles ratos americanos...
- Exatamente- apoiou a outra. - Eles acabam com a roupa...
- Acabam com a vida da gente.
- Ah, e toma cuidado com os carrapatos. Porque a gente chega achando tudo lindo, tanta árvore, tanto verde, mas o fato é que aquilo é uma verdadeira selva. Minha filha ficou com o rosto paralisado por causa deles.
Nada como uns goles de vinho para fazer aflorar a verdade.