domingo, 28 de dezembro de 2008

Quem é Você?


- Oi vó linda! Que saudades!
- Oi bem. Quem é você mesmo?
- Sua neta. Adriana.
- Ahhhh. Muito bonitinha!
- Filha da Ada.
- Você conhece a Ada?
- Sim vó. A Ada, sua filha. Minha mãe.
- Minha querida! Você mora no meu coração.
- A senhora também mora no meu coração vó.
- Oi mãe.
- Quem é você?
- Seu filho Samir.
- Samir.
- Comprei isto aqui, vai resolver nossa vida.
- O que é isso tio?
- Crachá. Agora todo mundo vai usar crachá. Assim a Linda vai saber quem a gente é.
Na manhã seguinte a família toda carregava o nome no peito, até a neném de seis meses tinha um crachá no babador. Dona Olinda, que perdeu a memória mas ainda tem a vista perfeita, passou a ler os nomes escritos sem ajuda de óculos.
- Rosa Maria! Tão bonitinha.
- Oi Linda.
- Tamar. Sérgio. Kiki. Luana. Lucas.
Vó linda começou a cantar:
- Ciranda cirandinha, vamos todos cirandar- logo todas as pessoas presentes engrossaram o coro- vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar. -
Vó Linda findou a cantoria dizendo :
- Aleluia.- e levantou os braços pronta para os aplausos.
- Vamos passear com a Linda.
Na rua, duas moças passaram. Vó Linda diminui a velocidade dos passos e falou com a desconhecida:
- Oi querida. Como você está? Passa lá em casa tomar um café.
- Humhum- responderam segurando o riso.
- Quantos anos a senhora tem?
- Adivinha.
- Hum- disse a moça brincando- 33.
- Não, muito mais.
- 55.
- Mais.
- 70.
- Ela tem 94 anos- respondeu a nora da vó Linda.
- Aí também já é de mais!- rebateu vó Linda.
Em casa, vó Linda sentou no sofá, pegou uma revista e passou a ler as manchetes em voz alta:
- “Militares Acusam Exército de Punir Atuação Política.”
“Luana Piovani não Tem mais Dado. Dorme Sozinha”.
- Vó Linda, vamos tomar lanche.
- Geléia de morango. Suco de uva.
- Quer café Linda?
- Pão integral. Requeijão cremoso.
Vó Linda mal tocou na comida, mas leu o rótulo de todos os alimentos na mesa.
- Linda, eu lembro tanto do vô Assad.
- Ah, você conheceu o Assad?
- Ele era meu avô, lembro bem dele vó. E a senhora, lembra?
- Ele gostava muito de mim.
- E a senhora, não gostava dele?
- Claro. Mas sempre escondia um bocadinho.
Aos 94 anos, vó Linda, Olinda, não reconhece ninguém. Mas não esqueceu as sutilezas do jogo do amor.
- Onde você vai com esta mala bem?
- Para o aeroporto.
- Pra que vai embora?
- Tenho que ir vó. Vim só pra te ver. Dá um abraço...
- Tão bonitinha. Mora no meu coração. - pegou o jornal e continuou a ler as manchetes- "Delfim Neto avisou: transformando cocô em ouro e vendendo-o para otários."

“O passado nunca morre. Realmente, nem sequer passa”
William Faulkner

domingo, 14 de dezembro de 2008

Por que?







- Todo ano a gente tem que passar por isso! Por quê? -
Júlia acabou de me perguntar chorando, assim que voltamos pra casa.
Uma de suas melhores amigas acabou de partir.
Temos uma foto do primeiro aniversário da Júlia aqui na América. Com os rostos colados, sentadas num balanço, ela e quatro amigas rindo. Eleanor, com a faixa do Brasil no cabelo, voltou para a Inglaterra há mais de um ano. Connie, de camiseta verde, partiu pouco depois. Selma, a mais loira sentada bem no meio da foto, foi para África, faz dez minutos. Somente Anna e Júlia ainda estão por aqui.
Brindamos com eles a chegada de 2008.
E não é que os amigos que a gente dividiu o peru no último natal , também estão de partida?
E a despedida calhou de ser no mesmo dia. Duas numa tacada só.
Por que todo ano a gente tem que se despedir de alguém muito querido?
Isto é Washington DC, terra de gente de todos os cantos deste mundão.
Chega a hora que as coisas mudam. Alguns decidem voltar pra casa. Outros já não sabem mais onde é a tal da casa, então mudam o tempo todo de país. E tem aqueles que se instalam pra sempre por aqui . Eis o porquê. É da vida. Doce e amarga ao mesmo tempo.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Papai-Noel Fugiu Pelado



Quase trinta pessoas da mesma família estavam no quintal, aguardando. A pequena de dois anos chorava encarando aquele tio que desferia tapas e croques em um Papai-Noel de plástico:
- Seu Papai-Noel bobalhão- dizia enquanto continuava a bater no boneco, provocando as crianças que riam fazendo o mesmo com o tio.
A pequena chorava observando aqueles desvairados quando o verdadeiro Papai-Noel, ao menos era de carne e não de plástico, apareceu na varanda da casa. A menina se refez, a família vibrava. Mas o tio ficou ainda mais possuído. A menina não sabia a razão da ira do tio, mas o tio as tinha de sobra. Era o primeiro Natal que o tio não vestia a roupa vermelha e a barba postiça. Um dos sobrinhos estreou na função distribuindo presentes e muitos “Ho-ho-ho-ho”.
-Tá rindo de quê, infeliz?- o tio perguntou ao Papai-Noel estreante. Como pode, aquele sujeitinho dentro da roupa vermelha costumava receber presentes das mãos do tio e de repente, puxou-lhe o tapete! Roubou sua identidade.
Quem não lembrava do último Natal, quando as crianças descobriram a roupa do Papai-Noel sobre a cama do quarto do tio?
- O Papai-Noel fugiu pelado.- foi o que uma das crianças concluiu.
E quando perceberam que o dedão da mão do Papai- Noel também faltava um pedaço, exatamente como o dedo do tio! É, quase desvendaram a identidade do Papai-Noel e por isso o tio se aposentou da função.
Nunca mais vi um Papai-Noel original e divertido como aquele.
Volta tio Samir!!!!

sábado, 29 de novembro de 2008

Narradores





Antigamente, quando livro não existia, eram os narradores anônimos que garantiram que as histórias sobrevivessem através das gerações. Velhos e crianças se reuniam em volta de fogueiras para ouvir e contar histórias.
“A arte de intercambiar experiências está em via de extinção”, chegou a dizer Walter Benjamin.
Ainda bem que sua previsão pessimista não vingou. Os blogs são prova viva que gente espalhada por este mundão continua dividindo as coisas que vêm, pensam e sentem.
Pois é carinos, tanta facilidade me deu uma mudez...

domingo, 23 de novembro de 2008

Sutileza da Língua

Sexta- feira tivemos um jantar de despedida com uns amigos que vão para a Àfrica. Scott contou das suas aulas de francês:
- Língua curiosa. Em inglês a gente diz que a irmã da nossa mulher é sister-in-law. - (irmã-por-lei) Tem que engolir a infeliz porque é a lei. Em francês é beau-frère, bela irmã. Veja a diferença.
- Parece um convite à safadeza...belo irmão, bela irmã, sei não...
- E em português?
- Em portugês o irmão do marido é cunhado, ou cuñado, em espanhol. Todo mundo faz a piada batida de que se cunhado(a) fosse bom, não começava com cu .

Pois é carino, sutilezas da língua.
Au revoir, good bye, adeus!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Não Conte pra Ninguém



Yasuko ganhou o terceiro filho, Kouta, e alguns quilos desde de que aterrizou por aqui.
- Este dvd de Hip-Hop é muito bom. - contou- Agora posso fazer exercícios em casa.
- Não basta levantamento de Kouta? - perguntou Jenifer, a outra vizinha que também carregava sua bebê, bem mais pesada que o japonês. - A gente podia fazer levantamento de Kouta para iniciantes e de Lauren para os mais avançados, que tal?
- Posso ver?- pedi.
As duas me ofereceram seus bebês para eu carregar.
- Não os bebês, o vídeo.
Na capa do dvd, um sujeito negro musculoso.
- Pode levar pra experimentar, se você quiser.
Da janela de casa a gente via as últimas folhas das árvores caindo. Céu nublado, frio e nada pra fazer. Sofá para o canto, o muscoloso na tela e as meninas e eu na sala vazia.
O sujeito e mais uns cinco alunos sarados exibiam curvas e sorrisos. Provavelmente riam da gente seguindo seus passos.
Pior que a chegada do inverno é se submeter a este tipo de cena...tststs...não conta pra ninguém, combinado?
Talvez fosse melhor me juntar as velhinhas das aulas de hidroginástica- que Rosângela, nossa divertida vizinha brasileira, chama de aula de galinha depenando na piscina. "E não parece? Com aquelas toquinhas na cabeça, levanta e desce os braços, a água espirrando."

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Making-Of

Dois anos de América, mais um pela frente, com Obama oba, mas no meio de um furacão econômico. A saída, para aproveitar este tempo aqui e driblar a falta de grana, foi brincar de jornalista. Minha primeira matéria foi publicada no caderno EU& do Jornal Valor Econômico, e o making- of vou contar aqui, no blog.
A Superintendente de ensino de Washington ia dar uma conferência aberta para jornalistas. Meus amigos garantiram que era só eu aparecer lá, entrar e assistir. Descolei um bloquinho, uma caneta, que nunca tenho na bolsa, gravador, máquina fotográfica, tudo pra ficar bem parecida com uma profissional da mídia.
Tinha pouca gente. Pessoas almoçando e outras sentadas num banco no fundo, "lugar dos jornalistas", foi a dica que me deram. Ao meu lado uma fotógrafa alemã e uma jornalista francesa.
- Quase fui trabalhar no Brasil. Mas fiquei com medo. Um amigo estava no Rio, fotografando, a trabalho, e um moleque passou correndo e levou tudo.
Logo um sujeito de terno veio em nossa direção e se dirigiu pra mim:
- Seu documento, por favor.
- Claro.- respondi abrindo a bolsa que é aquela bagunça. - Aqui está.
- Não este. Preciso da sua carteira de jornalista.
- Veja bem meu caro, sou uma jornalista free-lancer...
- Ótimo. Mas cadê seu documento?
Cadê???? Cadê meus amigos, malditos, que me mandaram para a boca do leão? “Vai, imagina, não tem o menor problema que você não é jornalista”. Bandidos eles, mas quem foi pêga fui eu. Saí da sala, de cabeça erguida, fingindo um tom blasé.
Devo ter cara de jornaleira, não de jornalista. Que raiva!
Dois dias depois, refeita, peguei todos os apetrechos novamente e fui para minha primeira entrevista com um diretor de escola. Imprimi um mapa com as diretrizes para chegar no endereço. Lá pelas tantas, cheguei na tal rua. "Vá para oeste." Quem disse que sei para onde é leste, sul, norte e oeste! Nestas horas lembro que prometi nunca mais sair sem bússola nesta terra. Mais uma promessa não cumprida.
- Meu senhor, por gentileza, oeste é para que lado mesmo?
O sujeito indicou a direção com uma facilidade invejável. Cheguei.
- Bom dia. Por favor, Mister Eatman....
- Quem?
- O diretor da escola.
- Escola???...o endereço é este, o número tá correto. Mas minha filha, você veio para o lado leste, tem que voltar tudo....
Chovia muito. Enfim achei o lugar. E não é que o homem tinha tido um “problema de família”e infelizmente “não veio trabalhar hoje.”
Sabe o que meus amigos do ramo falaram para me consolar:
“Bem vinda.“

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Objeto de Desejo


Quando o i-phone foi lançado há um ano, gente faminta por novidades formou filas de dar nó em frente as lojas. Pois dia 5, o motivo da muvuca era outro. O objeto de desejo das pessoas era algo antigo e de material ordinário: jornal. Tablóides da edição comemorativa com o novo presidente dos Estados Unido na primeira página: Barack Obama.
Até hoje temos guardado os jornais do dia em que nossas filhas nasceram. Meu pai, sempre que a gente viajava, pedia jornais como souvenir. Mas hoje, numa época em que blogs e internet ameaçam tirar o terreno dos jornais, milhares de cópias extras foram impressas para dar conta da procura. As pessoas estavam alí, no centro de Washington, gastando o tempo de almoço, pagando três vezes o valor de praxe, só para garantir um pedaço concreto de historia.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Eu Votei

Não tenho cidadania americana nem título de eleitor, menos ainda vergonha na cara. Foi assim que apareci numa sala de votação pedindo para ver como funcionava o processo eleitoral dos Estados Unidos.
Diferente do que ocorre no Brasil, onde as autoridades enviam cartas convocando os cidadãos a trabalhar como mesários nas eleições, aqui o pessoal vai porque quer. Várias mulheres e senhores na casa dos 60 anos estavam lá voluntariano desde às 6 da manhã e só iriam embora às 8 da noite. Fui recebida com cordialidade por uma mulher que me levou para conhecer a urna : “Muita gente disse que prefere votar no papel, pois assim fica um registro palpável com o nome deles na cédula. Eles acham que o voto eletrônico é menos confiável.“
A maior potência do planeta votava até há pouco tempo em cédulas!
O voto é opcional e ocorre num dia de trabalho normal. Como todo mundo quer votar antes ou depois que terminam o batente, longas filas se formam nos horários do começo da manhã e no final do dia.
O resto do tempo a sala fica praticamente vazia.
Antes de ir embora, ganhei uma cópia da cédula e um adesivo que grudei na minha camiseta:
” I Voted, Yo Vote”, assim mesmo, nas duas línguas.
Na saída havia um casal com uma barraquinha cheia de cartazes do Obama. Parei, tirei uma foto ao lado deles, e fui tomar um café no Starbucks.
- Quanto?
- Nada.
- Como assim?
- Todo mundo que votou ganha café de graça.
Hehe, por conta do meu adesivo de "Eu Votei" ganhei um café que tomei com gostinho de
“participei de uma eleição histórica.”

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O Pulo- do- Gato

“Mister” Serafini, professor da quarta-série, sim, aqui há vários professores homens- pediu voluntários para ajudar as crianças na construção de suas marionetes. Já tinha fugido durante um ano inteiro do trabalho voluntário na escola, fui pega na marra e tive aquela experiência fatídica, lembra, tirando xerox. Definitivamente, prefiro gente à máquina. Mas, diante do apelo e passado o trauma, decidi voltar e ajudar.

Havia mais gente lá:
- Você é brasileira?- perguntou um dos pais voluntários.
- Sim.
- "Sardinha." É a única palavra que conheço em português.
O homem me contou que aprendeu a falar sardinha com um brasileiro que cortava a grama da sua casa. O sujeito foi pego pescando sem licença e enjaulado antes que pudesse ajudar o americano ampliar seu vocubulário em português.

Enquanto aguardávamos, li alguns textos das crianças que estavam expostos na parede da escola: “O momento mais importante da minha vida- dizia um deles- foi quando eu tinha dois anos e consegui pular dois centímetros. Você deve estar pensando, grande porcaria um menino pular dois centímetros! Mas ninguém acreditava que eu pudesse pular, e eu pulei. Hoje consigo saltar muito mais do que isso.”

Logo conheci o autor do texto, um menino de nove anos, que veio andando com dificuldade. Ao lado do texto, ele colou a foto de um campeão de corrida a curta distância com a legenda:

“Este é meu herói”.

Este menino não perde tempo se lamentando de seus limites físicos e sabe celebrar suas próprias conquistas.
Isto sim é um verdadeiro pulo-de-gato.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Vô Assad





Assad chegou ao Brasil, vindo da Síria, aos 17 anos. Moço comprido, fino e de poucas palavras. Conheceu Olinda. Ele foi visitá-la umas três vezes, tendo a família dela policiando, como era de costume na época. No quarto encontro ele estava aprumado num terno e gravata esperando Olinda vestida de noiva. Após a festa, os dois foram para a estação de trem. Enquanto aguardavam em silêncio para embarcar, com as malinhas na mão, Olinda pensava o que seria exatamente esta tal lua-de-mel. Nazira, mãe dela, nunca explicou pra menina de 16 anos o que o casal faria ali. Mas Olinda era esperta, adivinhava da safadeza. Sentaram em silêncio.
- Piui-tcuctuctuctuc....
A paisagem começou a andar pela janela, Assad quieto. A menina então pensou:
- Quem é esse homem que vou viver pro resto da vida?- é, naquela época separar não era uma opção.
Olinda chorou, discretamente. Assad percebeu, não disse palavra, mas fez com que ela deitasse sua cabeça em seu ombro.
Viveram juntos a vida toda. Olinda parece que gostou da lua-de-mel, e os dois povoaram a casa com 5 filhos, depois netos, bisnetos. Vô Assad construi riqueza com esforço. Por isso tinha paúra de gastar dinheiro. Colocava gasolina, mas o mínimo necessário para andar uns poucos quarteirões na cidadezinha em que moravam. Não era bom de cálculo, e seu carro, uma Variant , deixava-o na mão sempre antes do destino final.
Jogava toda semana na loteria. Sempre coluna um.
- Mas vô- dizia meu primo- este time é muito ruim.
Assad não se abalava, marcava o cartão sem mesmo ler o nome dos times.
- Sabe porque?- explicava- se eu ganhar, ganho sozinho.
Lugar para guardar o dinheiro, caso ele ganhasse na loteria, ele já tinha. Era um cofre preto e grande, que só abria depois de virar o botão para a direita, para a esquerda, uma infinidade de números que só Assad conhecia o segredo. Imaginávamos tesouros de pirata lá dentro.
Depois de muito tempo espiando, conseguimos convencê-lo a abrir o cofre e mostrar sua fortuna. Vô Assad alto, rodeado dos pequenos netos curiosos, enfim abriu aquela porta. Apenas papéis, cartas e fotografias. Ficamos decepcionados, não tinha ouro reluzindo ali. Nem um tostão.
Não perguntei para meu avô de quem eram aquelas cartas, ou aquelas pessoas na foto.
Meu avô foi imigrante numa época em que não existia internet, skype e todos os apetrechos que tornam a vida de quem mora longe de casa um tantinho menor. Vô Assad nunca mais reviu seus pais, irmãos nem sua terra natal.
Há tempos ele morreu, mas a poltrona laranja ainda está lá com a marca de sua cabeça no encosto e o cofre preto também. Na época não entendi o valor do que ali era guardado.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Não era só um filme


- Hitler era uma criança com necessidades especiais? - o menino perguntou assim que o filme acabou. Sua irmã e as meninas riram.
- Hitler special needs! Adorei, Kamper.
- Sabia que tem um menino special needs na minha classe que briga com todo mundo?
- Morreram muitas crianças na guerra. Muito triste.
- Coitados. E se não fossem os judeus, a gente teria aula hoje, imagina que chato.
- No Brasil acho que não é feriado, minhas amigas lá têm aula no Yom Kippur.
- Eu também tenho um diário - comentou uma das meninas.
- Aposto que nem se compara com o da Anne Frank, doh - a irmã comentou cortando a onda da caçula.
- No Pessach a nossa vizinha Ariana e a irmã dela ganham um presente por dia.
- Durante sete dias, são sete presentes! Nisso os judeus são sortudos.
- Mas eles não ganham presente no Natal.
- A Katriane ganha. O pai dela é judeu e a mãe não.
- Nossa, ela ganha muito presente.
- Mas você viu quantas crianças judias morreram no campo de concentração?
- So sad, so sad.
- Mãe - a caçula chamou - juro que não vou mais reclamar da comida.
- Você viu? Eles não podiam nem comer.
- Mãe, o Rodney lutou na Segunda Guerra contra os alemães?
- Quem é Rodney?
- Nosso vizinho.
- Não, ele nem existia. Ou era ainda um bebê.
- Imagina se só o papai sobrevivesse, como no filme? E se a Juju ficasse doente e eu tivesse que cuidar dela e a mamãe morresse?
- Ai, so sad - repetiu o menino. - Tem mais pipoca?
- Eba! Também quero. Vamos brincar no parque?

domingo, 5 de outubro de 2008

Chega o Outono, Vão-se os Stearns


O verão vazou e foi embora com setembro. Festas nas ruas festejaram o último dia da estação. O outono e as abóboras do mês de Halloween invadiram a cidade colorindo tudo com diversos tons de laranja.
Perry é uma rua no bairro de Kensington. Quem mora ali, não importa se é proprietário ou inquilino, assina um contrato que inclui uma cláusula inquebrável- no dia do Halloween, todas as casas têm que ficar apavorante: vale luzes, velas, monstros, moradores assustando as crianças, labirintos. Há anos a pacata rua Perry se transforma em Scary Perry no dia 31 de Outubro.
Na esquina da rua Perry, tem umas das casas mais aconchegantes da cidade. No quintal um imenso tanque de areia e uma casa na árvore que o próprio Stearn construiu. Ele é jornalista e trabalha na Casa Branca. Jodi dá plantão em hospitais três noites por semana. Selma, a menina mais loira que a gente já viu na vida, de óculos e olhos curiosos de mundo e Kamper, seu irmão mais novo, tão loiro quanto ela, cara de anjo e um danado encantador.
O caçula nasceu na África do Sul, onde a família morou por cinco anos. Há quatro voltaram de lá:
- Voltar foi mais difícil do que ir. Embarcar para a África era uma experiência tão nova, tudo era fascinante, com gosto de novidade. A volta é o retorno a mesmice. - Jodi nos disse logo que a conhecemos.
Jantamos muitas vezes na casa deles, os quatro entraram o ano novo com a gente, deixamos filhos uns nas casas dos outros para viajar e ir à festas.
Assim que o Hallowen passar, vai levar embora os Stearns. Eles partem para o Senegal e ficarão por lá durante três ou cinco anos.
Chega o Outono, vão-se os Stearns.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Paiusco para Presidente




- Pra mim o Obama venceu o debate- sentenciou um dos jornalistas que acabara de voltar do Mississippi.
- Olhe, discordo- disse o cientista político- acho que o McCain se saiu muito bem no final. O Obama estava um pouco tímido.
- E aí, o Obama vence ou não?- sondou outro.
- Não ponho minha mão no fogo. Nas pesquisas não aparecem os eleitores que têm vergonha de confessar que não votam no Obama porque ele é negro.
- Você acha mesmo que o racismo nos Estados Unidos é deste tamanho?
- Não tenho dúvida.
- Mas o Obama é um preto muito do branco.
- Os mexicanos não suportam os negros, são os mais racistas de todos.
- Não é por racismo não. É porque os negros disputam mão de obra barata com eles.
- Pra mim- palpitou outra- o resultado das eleições vai depender do tempo.
- Tá doida?
- Tô nada. O voto não é obrigatório. Se chover, os republicanos mais velhos não saem de casa...
- Você está enganada. Republicano é capaz de subir ladeira em cadeira de rodas, mas por nada abre mão de votar.
- Pois nossa vizinha republicana contou que está decepcionada com o McCain. “Onde já se viu, colocar uma mulher de vice?“. E ela própria mulher, disse que nunquinha votará numa mulher, pode isso?
- Olhe- enfim falou o pai de minha amiga, com seu delicioso sotaque do Pará- comecei uma pesquisa aqui no bairro. E digo à vocês, o povo é preconceituoso.
- Ô paiusco- surpreendeu-se minha amiga- desde quando cê tá pesquisando?
- Minha filha, muito simples. Visto um boné escrito Obama e vou pra rua. Primeiro veio um negro, abriu aquele sorriso e fez sinal de positivo. Depois, um branco me mediu, eu disse hi, e o sujeito nem respondeu. E não foi só um não, aconteceu de monte.
Dentre tantos jornalistas, cientistas e mais istas, fico com o paiusco. Vou logo providenciar um bonezinho e sair com ele pelo bairro. Nem preciso concluir nada desta pesquisa, pois a companhia do paiusco vale mais que qualquer pacote econômico.
Bóra com a gente?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Um Legado de Trigo, Hortelã e Cebola


Eu tinha nove anos e passava férias na casa da minha avó no interior do Paraná. Imunda da terra vermelha da cidade fui interrompida por um senhor que segurou meu braço praticamente infartando:
- Adma. Adma. Não pode ser. Adma!!- o homem apertava ainda mais meu braço- Você é a cara da sua mãe, pensei que era ela e que o tempo tivesse voltado.
Foi bem aí meus caros, que jurei ser completamente diferente da minha mãe. Amo-a de paixão, mas é natural querer crescer e encontrar uma identidade própria. Assim fiz durante anos.
Mas acabei de descobrir e aceitar : Não adiantou morar nos Estados Unidos, a distância não me protegeu de ficar parecida com minha mãe, e de lambuja, um bocadinho parecida com todas as mulheres da família.
A grande matriarca era a bisavó Nazira. Sentava na mesa da sala, colocava a mistura de arroz e carne dentro da folha de uva e enrolava charutinho por charutinho, na maior paciência. Ela só parava quando ouvia o Cid Moreira, lembra do sujeito, dizer boa noite ao final do Jornal Nacional. A cozinha da vó Olinda cheirava hortelã e cebola enquanto ela preparava os mesmos charutinhos para encher a barriga de todos. Minha mãe não fugiu à sina, repetiu este ritual e ainda o faz. Se percebia tristeza nos filhos, minha mãe não conseguia dizer nada, nem pôr no colo, mas preparava suculentos consolos nas panelas de sua cozinha.
Nunca enrolei charutinho na vida. A não ser minhas filhas embrulhadas no cobertor quando eram neném.
- Enrola a menina na coberta, feito charutinho que ela fica quente e pára de chorar- aconselhavam as mulheres mais velhas da família.
Estava preparando a festa para celebrar aqui em casa os 60 anos de Meirelles e os 35 de Rita. A idéia era aproveitar da praticidade americana e colocar um monte de comida pronta na mesa, muita bebida e that's it. Mas quis oferecer algo especial e foi aí que as mulheres da minha família começaram a pipocar na minha cabeça. A bem da verdade, um pouco tarde demais. Depois de anos querendo me diferenciar delas, enrolar charutinho era uma empreitada muito além das minha parca habilidade. Fechei os olhos na tentativa de incorporar toda a árvore genealógica da família. Acabei fazendo quibe.
O tempero final foi dar muita bebida para os convidados. Assim, na hora da comida ninguém iria perceber muito que eu era uma árabe tardia.
A festa foi das arábias, ou bestial, como diria a Rita portuguesa.
E de certa forma perpetuei a herança maior da minha família:
A importância de celebrar a vida.
Parabéns queridos Meirelles e Rita. Quem sabe na próxima festa desisto de enrolar os convidados com bebida e enrolo os tais charutinhos.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Omelete de Amoras

Era quarta-feira, hora do almoço. Ao invés de comer em pé numa pausa no trabalho fui à casa da tia Ena, saborear a melhor comida árabe do mundo. Tia Ena estava sem cabelos por conta da quimioterapia. Mantinha-se altiva. Sentamos, falamos da vida enquanto o sabor do quibe aquecia. Ela contou das dificuldades do tratamento. Ouvi sem dizer palavra. Lembrei de como aquela mulher, minha madrinha, cuidou de mim a vida toda sem esperar nada em troca. Os inúmeros almoços na casa dela ou nos restaurantes em que trabalhou. Em casa éramos cinco, roupa eu costumava herdar as da irmã mais velhas. Roupa nova vinha só em dia de aniversário ou pelas mãos da tia Ena. Vestia sem tirar a etiqueta.
- Meu sonho sempre foi abrir um pequeno restaurante...Daqui a pouco vou ao hospital fazer um exame.
- Te levo.
- Não precisa minha linda- ela me chamava de minha linda- a Fê vem me buscar.
Na hora de ir embora dei à ela uma carta com a história que Walter Benjamin conta em Imagens do pensamento, chamada O Rei e a Omelete:
“Era uma vez um rei que tinha todos os poderes e tesouros da Terra, mas apesar disso não se sentia feliz e a cada ano ficava mais melancólico.
Um dia ele chamou o seu cozinheiro preferido e disse: "Você tem cozinhado muito bem para mim e tem trazido para a minha mesa as melhores iguarias, de modo que eu lhe sou agradecido. Agora, porém, quero que você me dê uma última prova de sua arte. Você deve me preparar uma omelete de amoras iguais àquelas que eu comi há cinqüenta anos, na infância.
Naquele tempo, meu pai tinha perdido a guerra contra o reino vizinho e nós precisamos fugir: viajamos dia e noite através da floresta, onde afinal acabamos nos perdendo.
Estávamos famintos e cansadíssimos, quando chegamos a uma cabana onde morava uma velhinha que nos acolheu generosamente.
Ela preparou para nós uma omelete de amoras, quando a comi, fiquei maravilhado: a omelete era deliciosa e me trouxe novas esperanças ao coração.
Na época eu era criança, não dei importância à coisa. Mais tarde, já no trono, vasculhei todo o reino, porém não foi possível localizá-la.
Agora quero que você me atenda esse desejo: faça uma omelete de amoras igual à dela. Se você conseguir, eu lhe darei ouro e o designarei meu herdeiro, meu sucessor no trono. Se você não conseguir, entretanto, mandarei matá-lo".
Então, o cozinheiro falou: “Senhor, pode chamar imediatamente o carrasco”.
É claro que eu conheço todo o segredo da preparação de uma omelete de amoras, sei empregar todos os temperos.
Conheço as palavras mágicas que devem ser pronunciadas enquanto os ovos são batidos e a melhor técnica para batê-los. Mas não me impedirá de ser executado, porque a minha omelete jamais será igual à da velhinha. “Ela não terá o sabor picante do perigo, a
emoção da fuga, não será comida com o sentido alerta do perseguido, não terá a doçura inesperada da hospitalidade calorosa e do ansiado repouso, enfim conseguido. Não terá o
sabor do presente estranho e do futuro incerto". Assim falou o cozinheiro.
O Rei ficou calado, durante algum tempo. Não muito mais tarde, consta que lhe deu muitos presentes, tornou-o um homem rico e despediu-o do serviço real.”

Descemos juntas no elevador. A tia Ena foi para o hospital e nunca mais voltou pra casa dela.
Ai que saudades da omelete de amoras....

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Só queria mudar...


A senhora sentada na cadeira alta, na frente do espelho, carregava nas mãos um xerox de documento com uma foto sua. Ao seu lado, descansava sua bengala. Seus cabelos completamente brancos destoavam da voz firme com que falava com a Taiwanesa:
- Não era assim que eu pedi para você cortar meu cabelo...
- Mas fiz assim da última vez...- respondeu a moça miúda, dona do salão, num inglês difícil de entender.
- Mas eu não queria igual da última vez. Tanto que trouxe esta foto para voce olhar. Se eu quisesse igual ao modo que você costuma cortar , para que traria a foto? Olha aqui menina, você deixou muito, muito curto.
- A senhora sempre gostou...
O menino careca, sobrinho da cabeleireira, parou de lamber seu sorvete para acompanhar a discussão. Encarava a tia, depois passava a olhar a senhora e a foto que ela trazia na mão.
- Eu queria mudar, entende?- a mulher balançou o papel em sua mão e continuou- olhe aqui...
- Sempre fiz assim...
- Santo Deus, eu queria mudar...será que você não entende?
A irmã da dona do cabeleireiro parou de pintar a unha da freguesa para fixar os olhinhos na cena.
- Veja, a senhora passa um produto no cabelo...
- Me dê um espelho para que eu veja atrás...
Uma das freguesas abaixou de soslaio a revista que tinha na mão e espiou o cabelo da senhora.
- Aqui está...- voltou a dona do salão com um espelho na mão, rodou a cadeira da mulher para que ela tivesse uma visão do corte atrás.
- Ohhhhhh....muito curto...muito.... olhe a foto, a foto...OK. Tá bem. Fazer o quê, né? Cabelo cresce, não é mesmo?
- É só passar um produto. Igual da última vez.
- Não está de todo mal... - disse por fim a senhora.
- Igual da última vez.- sorriu a cabeleireira.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Soccer Mom


A piada tirada do discurso de Sarah Palie e mais comentada nos noticiários e nas ruas até hoje é:
“Qual a diferença entre uma hockey mom e um pit bull? Batom.“
Soccer mom, ou hockey mom é a encarnação perfeita da mãe de subúrbio americano.
A mãe que é motorista orgulhosa dos filhos atletas e que acorda feliz todo sábado bem cedo para torcer pela cria.
Tudo aquilo que sempre tive HORROR de virar.
Como já disse outras vezes por aqui, sou uma mulher de palavra!
Resisti durante dois anos, mas....ops...acabei de sucumbir...
Não fazia idéia que tínhamos que levar cadeiras para sentar e torcer pela cria.
- Eidriana- disse aquela vizinha que costuma me acordar as 7 da matina- tenho uma cadeira aqui pra você.
A cadeira, carinos, não era qualquer uma não. Tinha o desenho da bandeira americana!!!
O time tem 3 técnicos, e se não bastasse, a maioria dos pais se considera no direito de gritar tentando jogar do lado de fora do campo. Uma das mães quase invadiu o campo várias vezes, dando ordens a torto e direito. Laura é a menorzinha. Os uniformes são todos tamanho extra G. A pequena entrou em campo com o short até a canela, caindo da cintura e a camiseta presa num elástico. No primeiro tempo ela tentou driblar o uniforme, no segundo Laura concentrou a energia e fixou na bola. A baixinha garrinchou as americanas grandalhonas.
Gol mesmo...ops... ela não fez...mero detalhe não é mesmo?
Os técnicos ficaram felizes :
“Laura looked like the light bulbs came ON in the 2nd half........ Bravo for Laura! We are very excited about her future contributions. She is ...coming on nicely! GO LAURA! “
Soccer Mom... eu achava ser possível resistir...
Go Laura, GO....

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Um Abraço!


No Brasil, quando uma criança chega pela primeira vez numa escola nova, a professora a recebe com um abraço. Afinal, melhor que palavra o gesto acolhe e ajuda no processo de adaptação.
- Olha, a gente chamou vocês aqui- disse a diretora da pré-escola para o casal de russos, pais do garoto de 4 anos-- porque o filho de vocês tem o incoveniente hábito de abraçar a professora. Vocês têm que conversar com ele....
Se na pré-escola chamam os pais quando a criança faz este ato obsceno de abraçar, na Middle School a direção da escola é bem mais explícita nas regras:
- Garotada, é o seguinte: Abraçou o amigo ou amiga, encostou ou fez elogios tipo “ai, como você tá bonita(o)” ganha suspensão na hora. Entendido?
- Mãe, entendido o quê ? Minha melhor amiga ia fazer um exame de entrar num tubo, tava morrendo de medo e eu não pude dar um abraço nela?? Agora, quando a gente rela em alguém já sai brincando: “Uuuuhhhhhh sexualizei!! Estou in trouble!”
- No meu país-disse uma brasileira para amigos americanos- quando a criança não abraça é sinal que tá muito travada, caso de levar logo pro psicólogo....
Talvez o negócio seja fazer um manifesto, como sugeriu a Jú. Bora angariar todos os latinos, franceses e Italianos e lançar um slogan: “Abraço esmaga, mas não mata”...
Carinos, e pra vocês, aquele ABRAÇO!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Tão Perto, Tão Longe




Estávamos há um ano sem ir ao Brasil. Assim que saímos do portão de desembarque, parei num abraço demorado do irmão que se dispôs a estar no aeroporto às 6:00 da manhã.
- Chega de Estados Unidos, né?-
Enquanto ele dirigia, contou as novidades da cidade:
- Vocês repararam que não tem mais outdoors?
- Uau, que diferença.
- Sem os outdoors dá pra ver ainda mais a feiúra de São Paulo.
E eu respirava feliz a minha cidade poluída. Ah, o que a saudade não é capaz...
Parados no trânsito me inteirei sobre as novas. A tia, aquela que no Natal jogou a dentadura pela janela e caiu na risada , está num asilo e agora distribui bengalada nas enfermeiras. Minha mãe enterrou várias amigas de uma vida e resiste bravamente com suas imbatíveis pílulas de humor. Decidiu lançar um manifesto com uma de suas amigas: “Idoso é para tombar. Não para jogar no chão!!!”.
Revi alguns amigos recém separados, outros que acabaram de ter filhos, a outra que trocou de namorado, de emprego, a que se descobriu doente a outra apaixonada. Pois é, o mundo rodou durante minha ausência.
Ganhei dois tickets para assistir a um concerto na Sala São Paulo. Virei turista na minha cidade. Procurando nossos lugares , tropecei num pé , cujo dono era um amigo que não via há vinte anos . Trocamos e-mails e corri sentar ao som do terceiro sinal. Este amigo colocou na comunicação eletrônica mais uma amiga perdida no tempo, e combinamos de nos encontrar os três num almoço. Substimei o tempo que se gasta para ir de um lugar à o outro em São Paulo e cheguei quando todos lá estavam. Um sujeito a mais do que o esperado. Amigo do amigo, marido da amiga? Não, tinham caçado o quarto integrante da trupe que lá estava para completar a mesa. Tanto tempo longe e parecia que tinha sido ontem. Esprememos a distância de vinte anos em uma hora de almoço. Saí de lá muito bem alimentada.
Ah, e os almoços de domingo na casa da mãe, o deixar a vida passar com aquelas pessoas ... o gosto do chocolate alpininho, o doce de leite em barra, a caipirinha e vida noturna em plena segunda-feira! Voltei tão impregnada de Brasil que quando cheguei em Washington ficou claro que eu estava do lado errado do Equador. Aí deu vontade arretada de voltar. Doeu. Mas com o tempo a vida voltou a rodar do lado de cá.
- Já passei por isso algumas vezes.- consolou-me uma amiga- ...voltei chorando. Mas depois de uma semana, esse sentimento passa. A vida engrena aqui e a gente esquece.
Fez dois anos de América. A cada dia fico menos perdida, embora o Brasil pulse forte em mim.
Como dizia Tom Jobim:
“Morar nos EUA é uma merda, mas é bom. Morar no Brasil é bom, mas é uma merda.”

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Viva a Vodka

O marido de S., americana que mora perto de casa, vai ficar um ano trabalhando em outro estado enquanto a mulher padece por aqui com os 4 filhos, exatamente, 4 meus caros.
S. estava super zen, com um copo de plástico na mão cuidando das crias que se batiam no parque e pulavam umas sobre as outras. Com ela J., americana bem humorada, que morou quatro anos na Itália, também segurava um copo de plástico e corria atrás da filha que acabou de aprender a andar e a fugir.
Há tempo não as via. Desabafei que na noite anterior uma das minhas filhas tinha me deixado maluca e que eu queria poder trabalhar em paz:
- E depois que elas dormiram- completei- descobri que nem vinho eu tinha em casa para tomar uma taça e relaxar.
- Você quer um pouco?- J. respondeu com um sorriso cúmplice estendendo o copo.
- O que é isto?
-Vodka!
O relógio marcava cinco da tarde, as crianças se matavam e as americanas enchiam a lata.
Viva a América... Cheers!

domingo, 24 de agosto de 2008

Make a Wish


Yasuko fez uma festa para celebrar um ano que sua família veio do Japão para os Estados Unidos. Teve bolo.
- Faça um wish.- aconselhou uma criança na hora de apagar as velas.
- O que é wish?- quis saber Maki, a menina de 9 anos que há um ano atrás não consiguia pronunciar uma palavra em inglês.
- Aquilo que você quer, quer, e quer muito.- explicou outra criança.
O casal trabalhou rapido desde que chegou por aqui. Agora, além de Maki e Keito, o garoto elétrico de 4 anos, eles fizeram Couta, um bebê absolutamente zen que nasceu há 3 meses e com nacionalidade americana.
- Acho que nós, japoneses, temos que aprender a aproveitar mais da vida e trabalhar um pouco menos- desabafou Yasuko.
- E vocês- quiseram saber todos- não vão embora ainda para o Brasil, né?
- Esta é a questão da vez- respondi sem saber ainda sobre nossa vida.
Tinha muita comida japonesa que eles ofereciam em “marmita” para os convidados levarem para casa.
- Uau. Que delícia. Todo domingo minha mãe faz almoço na casa dela e todos nós saímos com potes de comida de lá.
- Que bom, assim vocês se sentem em casa e não voltam para o Brasil.
Pois é, precisamos logo descobrir nosso wish...

domingo, 17 de agosto de 2008

De volta à Marylândia

Ainda impregnadas de São Paulo aterrizamos novamente na “Marylândia”. O motorista de táxi, um senhor iraniano sem força suficiente para me ajudar a carregar as malas, pegou o dinheiro da corrida e a gorgeta, e largou toda a bagagem na calçada. O pai marido com cara de romeno não veio abrir a porta, ele estava viajando. O único ser que estava em casa era um esquilo que acabava de destruir as flores mais coloridas de nossa varanda.
As meninas, que choraram ao se despedirem da avó e dos tios no aeroporto,mudaram rapidamente de sintonia, e voltaram a conversar em inglês, brigar em inglês e pedir coisas, em inglês.
Já a mãe das crianças, euzinha, estava completamente fora do ar. Depois de três semanas no Brasil, uma noite viajando e praticamente sem dormir, estava difícil sintonizar em qualquer canal que fosse.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

De Drama a Pastelão

Última noite no Brasil. Despedidas, brindes e risadas. Ao final, abraços enternecidos tentavam segurar o tempo. De madrugada fui deitar e tive uma trabalheira fazendo a cama parar de rodar. Achei melhor garantir uma volta tranquila e fui separar os passaportes:
- Ah- ouvi a voz de minha irmã - não esqueça a autorizacão.
- Autorizacão, claro. AUTORIZACÃO!!!!
O sujeito meu marido e pai das meninas foi embora antes da gente e não deixou as autorizacões para que eu viajasse com as pequenas sem ele.
Aqui ficaremos até que os papéis cheguem. Anticlímax total.
Depois de belas cenas de despedidas cá estamos. Acho que quando a gente for embora pra valer, ninguém mais vai chorar ou sequer dizer tchau. Pois é meus caros, o que era drama passou a ser pastelão.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Pausa da Perdida

Até agora não encontrei nenhum GPS que resolva o fato de eu estar perdida na America. Assim sendo, volto a blogar depois do dia 11, quando estarei de volta das nossas férias no Brasil. Até lá!
Adriana

sábado, 19 de julho de 2008

Recalculando



-- Pai, falta muito?
-- Estamos na reta final. Daqui a vinte minutos estaremos em Big Sur.
-- Como você sabe?
-- A Dorothy me avisou.
-- Vou sentir falta da Dorothy quando a gente devolver o carro.
-- Eu adoro quando ela avisa que está “recalculando”.
Dorothy foi o apelido que as meninas deram ao sistema de navegação do carro, o GPS. Três carros da polícia faziam uma barreira na estrada impedindo que seguíssemos adiante:
-- Big Sur foi evacuada por causa dos incêndios. Ninguém entra.
-- Qual estrada está disponível?
-- A 101. Vocês têm que voltar para trás.
-- Quanto tempo para chegar até lá?
-- Umas três horas.
-- Ah, não!
-- No mínimo, meus caros.
Demos meia-volta com o carro e Dorothy desembestou:
-- Recalculando! Recalculando! Recalculando!
Paramos o carro. Dorothy ficou quieta. A barreira policial ficava a poucos metros de um restaurante. As mesas estavam todas ocupadas. A dona do recinto era a única feliz por ali. Acho que a mulher vive jogando fogo na mata só pro policial fazer barreira e todo mundo ir comer na espelunca dela. Brincadeira, o lugar era uma graça com vista privilegiada para o Pacífico.
-- É muito chato, ter que viajar tudo de novo.
-- Meninas. Para jogar a raiva para fora, vocês estão liberadas para falar o palavrão que quiserem, em português, por trinta segundos.
Os primeiros dez segundos elas perderam assimilando a mensagem. Os outros dez segundos, tentando relembrar os palavrões na língua materna. Por fim aliviaram a alma nos dez segundos finais.
Logo entrou um grupo de amigos no restaurante. Um deles vestia uma camiseta com uma frase nas costas: “Today is my lucky day!” O sortudo sentou numa mesa ao nosso lado, apoiou a cabeça na mão e bufou desanimado com a barreira policial e os incêndios.
De volta ao carro, acordamos Dorothy. Vários carros passavam na direção contrária, rumo a Big Sur, os motoristas felizes sem saber da barreira policial lá na frente. As meninas primeiro pensaram em avisar as pessoas. Mas logo mudaram de idéia completamente e, recalculando, passaram a gritar para todos os carros que passavam pela gente:
-- Today is your lucky day! Go straigth right away! ( Hoje é seu dia de sorte! Vai reto toda vida!)

sábado, 12 de julho de 2008

Golden Gate

A Golden Gate é uma ponte suspensa sobre a Baía de San Francisco, na beira do Oceano Pacífico. Lá estávamos, eu e as meninas, pacificamente catando conchas e pedrinhas na areia com o cartão postal ao fundo.
Um moleque de uns quatro anos lançava pedrinhas na água. Assim que passamos por ele, começou a nos chamar e dizer coisas em russo. Quer dizer, eu acho que era russo. O menino pegou mais pedras, distribuiu uma para cada uma de nós e convidou:
-- Barishinkhovich- disse o menino, mostrando o que fazer.
Brincamos com ele acompanhando o vôo das pedrinhas e logo voltamos às conchas. O moleque continuava nos seguindo. Demos uma concha para ele, que imediatamente atirou-a no mar:
-- Keep it -- disse a ele, oferecendo uma concha imensa que peguei na areia.
-- Khípit -- o menino repetiu, atirando-a bem longe.
Ofereci outra e antes mostrei a ele o que fazer guardando a concha entre as mãos:
-- Keep it.
Enfim apareceu a avó do moleque. Ele correu apontando a concha que carregava na mão:
-- Khípit! Rsbreayeberekovich!
Depois que deixamos os russos para trás, apareceram uma noiva com o noivo, seguidos por um fotógrafo que registrava o momento romântico com a ponte ao fundo.
O casal e o fotógrafo eram coreanos. A moça segurava a barra do vestido e estampava um sorriso fixo. Já o noivo ria sem parar segurando a mão da mulher para que ela se mantivesse impecável sobre os sapatos de salto alto que sumiam na areia.
- Yasukoriso.- pedia o fotógrafo fazendo sinal para que o casal se colocasse mais para a direita.
Voltamos a catar conchas. Estávamos ali naquele cenário bucólico quando de repente levantamos a cabeça e demos de cara com um sujeito de pé olhando a baía com a ponte ao fundo e o pinto de fora.
Ao seu lado, sentado, um outro homem nu fazia castelo de areia.
Logo tinha mais homens pelados no lugar do que conchas na Baía.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Pausa

Parto de férias para Califórnia e volto a blogar dia 11 com novidades de lá.
Inté!

Adriana

domingo, 22 de junho de 2008

Orgulho de Ser Americano


Achamos a casa. Tinha a bandeira dos Estados Unidos na entrada, três carros, também com a bandeira do país, e grudado na porta os dizeres: “ORGULHOSO DE SER AMERICANO”. A mulher desceu as escadas com um cesto estufado de roupas sujas e abriu a porta:
- Hi.
Hi? A senhora poderia me explicar orgulho de quê exatamente? De lavar este monte de roupa?- pensava enquanto minha boca repondia:
- Hello.
A amiga da minha filha logo apareceu chamando-a para brincar.
No dia seguinte foi a vez delas tocarem a nossa campainha para trazerem nossa cria de volta..
- No jantar- contou a mulher- Quando meu marido soube que vocês são brasileiros, foi logo falando em espanhol com a Laura. Ela explicou que vocês falam português.
- Pois é...
- O Brasil tem muitas praias bonitas, não é mesmo?
- Muitas. Vocês iriam adorar.
- Sabe, nunca saí dos Estados Unidos. A gente viaja muito, mas sempre dentro do nosso país.
- Bem, agora vocês terão um bom motivo para sair.
- Eu quero conhecer o país da Laura.- disse a menina animada.
- Eba- comemoraram as crianças imaginando a farra que seria uma viagem dessa. Mas logo a amiga da minha filha parou para lembrar:
- Mas minha mãe disse que não vai de jeito nenhum para o Brasil.
- Imagina- disse a mãe fuzilando a menina.- eu nunca disse isto. Estas crianças...
- Disse sim mãe!!!
A mãe apressou a filha para entrar no carro, despediu-se e acabou de lavar a roupa suja longe da gente.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Nem Morta!

- Dri, recebi uma proposta do jornal. O que voce acha da gente ir morar nos US? - perguntou o moço que mora comigo, como quem pergunta se eu trocaria um sorvete de chocolate por um de limão.
- Não vou nem morta!!
Poucos meses depois estávamos fazendo as malas.
O tempo entre o convite de ir e a decisão final foi curto, e muito teve que ser ponderado.
Um dos calcanhares de aquiles da mudança foi quanto a vida profissional:
- Que maravilha. Eu daria tudo pra ter um carimbão no meu passaporte me proibindo de trabalhar.- disse um amigo na época.
Realmente, nada como um período sabático. Ter tempo para escrever e fazer cursos de especialização. Afinal, pega bem você voltar para o Brasil com uns “Universityquaiquaismaryland” no curriculo. Claro que antes a gente tem que aprender a falar os quaisquaisquais em inglês.
Outro fantasma era encarar o estilo americano do faça você mesmo: limpe, cozinhe, ponha gasolina no carro, corte a grama, ou seja, camele minha filha!
- Minha amiga não aguentou mais que seis meses lá- contou uma conhecida- largou o marido e voltou.
As crianças reagiram de maneira diferente à idéia de morar fora. A caçula vestiu cachecol, gorro e luvas em pleno verão e saiu cantando:
- Neve, vamos morar na neve!!
Parou assim que olhou para seus pés nas havainas:
-Ei, mas ainda não tenho botas.
A mais velha, no começo, não achou muita graça em se separar das amigas e da família.
Agora diz que não volta para o Brasil.
Final de julhoa gente completa 2 anos do lado de cá do Equador, onde jurei que não iria:
- Nem morta!
Êta mulher de palavra.

sábado, 7 de junho de 2008

Tornado



- E aí, tá preparada para o tornado?
Perguntou a mulher segurando a coleira do cachorro enquanto eu abria a porta do carro.
- Como assim, “preparada”? Você acha que vai ter tornado mesmo?
- Tá parecendo, eu já vi mais de 20. Sabe-se lá, é bom estar preparada.
- E o que é estar preparada?
- Você vai dirigir agora? Bem, se começar a chover forte e você ouvir um barulho de trem, larga o carro onde estiver e corra para um lugar fechado.
- Barulho de trem tipo piuiiii?
- Não. Um barulho mais do tipo thucthucthuc, sabe?
- Ahhh, thusthucthuc! Acho que não peguei a sutileza.
- Mas se você estiver em casa, corre para o basement.
- Hãhã.
- Porque se o tornado escolher a sua casa minha filha, não sobra nada, vai tudo para os ares.
Imagine, o céu estava absolutamente limpo. Só porque recebi milhões de e-mails de alerta e porque uma doida que nunca tinha visto na vida estavam apavorados por conta do tal tornado eu tinha que me trancar em casa? Piuiii de trem, que ridículo! Onde já se viu. Foi exatamente aí que a chuva chegou do nada e tão violenta que o pára- brisa do carro não ajudou muito. Estacionei para atender o celular. Era o bonitinho brasileiro com cara de romeno que mora lá em casa:
- Dri, onde você tá? ... É melhor você dar meia-volta e vir pra casa agora, antes que piore.
Segui seu conselho. No caminho, galhos de árvores no chão, nenhum sinal funcionando e ventos arrastando objetos não identificados. Desliguei a música do carro para prestar atenção no tal thuc, thuc, thuc de trem. Placas balançando. Supermercados e lojas sem força fechando as portas.
Cheguei em casa sã e salva. O tal tornado deixou algumas casas no chão e fez estrago suficiente para que as escolas suspendessem aulas. Mas eu não vi aquele redemoinho do Saci Pererê e tão pouco ouvi o tal baruho de trem: Piuiii, thucthucthuc...

domingo, 1 de junho de 2008

Pompoarismo

Era um segredo esta história que vocês vão ler. Recebi um e-mail, da maior contadora de causos que conheço, que não posso revelar o nome, contando sobre sua experiência, aos 73 anos, numa aula de pompoarismo. Depois de muito insistir ela autorizou que eu publicasse aqui sua aventura com a ressalva de não revelar sua identidade à ninguém. Feito! Divirtam-se:

" Contarei para você como foi meu Curso de Pompoarismo. Maria esteve aqui em casa e perguntou:
- Amiga vamos fazer um curso de Pompoarismo?
- Amiga eu não estou mais na idade de aprender etiquetas e muito menos de Pompa
- Não é isso . Tenho umas amigas que fizeram e adoraram. Elas têm incontinência urinária e foi tiro e queda. Uma cirurgia para levantar a bixiga custa 15 mil reais e o curso 100 reais.
- Maravilha!!!! Eu topo. Nunca tinha ouvido falar sobre este tal de Pompoarismo sou burra mesmo. Quando começa?
-Amanhã o dia todo. Das 9h às 12h e das 13h às 17h. Passo aqui para te pegar.
No dia seguinte lá fomos nós. É uma casa de comércio que a primeira vista, uma loja de lingerie. Ao lado um portão de entrada e nos fundos, um salão. Ao adentrar deparei com umas 30 mulheres, a maioria entre 30 e 40 anos. Sentamos, eu um tanto curiosa pois achei estranho umas mulheres tão jovens já fazendo xixi nas calças. Quando iniciou a aula, a professora começou perguntando qual o motivo de cada uma desejar fazer o curso. Metade das moças estavam lá escondidas dos respectivos companheiros para aprender técnicas novas para seduzir e deixar os próprios loucos de paixão. Outra metade, os próprios companheiros que incentivaram as comparsas a fazer o curso para sairem da rotina e algumas queriam reconquistar os maridos que estavam prestes a abandoná-las. Quando chegou a minha vez de responder disse, muito sem graça, que estava lá para não fazer xixi nas calças. Todas começaram a rir. Então eu disse que talvez, depois da aula, mudaria e partiria para outras coisas. Mais risadas, pois uma velha de 73 anos fazendo um curso deste. Queria matar a Maria. Ela estava mais atrapalhada e sem graça do que eu. Emfim começou a aula própriamente dita. Os primeiros conselhos foram técnicas para sair da rotina, tais como, na hora de dormir se vestir diferente pegar um chicote, banhos de gelatina, amarrar o companheiro e por ai vai..... Em seguida ela passou de maõ em mão um "pênis" de borracha com cheiro de chocolate para cada uma pegar, cheirar e sentir o próprio. Logo depois, ela apresentou um kit que deveríamos comprar e praticar em casa pois serveria para várias coisas inclusive incontinência urinária. Consistia o Kit em duas bolinhas amarradas e uma borracha em forma de pênis para introduzirna vagina e apertar. Tudo isso ela ensinava fazendo as devidas posições que deveriamos ficar. Muitas outras coisas que prefiro não falar. Chegou a hora do recreio e fomos para a loja que era nada mais nada menos que um sex shop de mulher. Nunca vi tantos formatos de pinto. As moças enlouquecidas compraram o kit. Tinha perfume para seduzir os homens e eu comprei um para a minha filha. Ela usou e não adiantou nada. Chegou em casa frustrada. Bem, não tive mais paciência para ouvir mais nada. A sequência seria sedução e streep-tease. Não assistimos e viemos embora morrendo de rir. "

domingo, 25 de maio de 2008

Cupido



Sexta- feira as meninas trouxeram amigas pra casa. A mãe de uma das crianças e o pai da outra chegaram quase juntos para buscar as crias. Por coincidência os dois são separados e resolvi brincar de cupido. Convidei-os para entrar e tomamos um vinho juntos. As meninas estavam entretidas com uma argila natural recém descoberta no parque e comemoraram o tempo extra para acabar de fazer aquela meleca que elas chamam de obra de arte. Além disto, convenceram os pais que só iriam depois que jantassem aqui. As duas meninas gêmeas de cinco anos que chegaram com a mãe para buscar a irmã, jogaram os sapatos para o alto e se juntaram às outras. Elogiei as gêmeas:
- Quer levar? - a mãe logo ofereceu.
O pai, imigrante europeu, com um corte de cabelo todo estiloso, saboreava o vinho. Ele gosta de cozinhar, ela diz que nem o cachorro engole sua comida. Ele olhava com certo desdém a americana com roupas desleixadas, unhas com esmalte descascado e cabelo preso num lápis no alto da cabeça. Definitivamente ela não fazia o tipo dele. E nem ele o dela.
Depois do terceiro copo de vinho, a mulher levantou e proclamou que o namorado mais “caliente” que teve em toda sua vida era brasileiro. Ela acha que o sujeito que mora aqui em casa é “romeno”, por algum motivo. Ainda bem. Tentei lembrar de nossos amigos brasileiros, todos barrigudos e começando a ficar carecas. Definitivamente, nenhum parece estar perto do ideal que a mulher descreveu...

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Espia

Quatro senhoras caminham lado a lado na estrada de terra entre árvores e flores. São nove horas da manhã. As quatro usam chapéus, mas de modelos e cores diferentes. Duas também usam um colar de pérolas. Uma delas, a mais baixinha, passou batom . A outra caminha balançando o corpo de um lado para o outro , feito pinguim. Todas andam com os braços para trás e as mãos cruzadas nas costas. O grupo pára para escutar o que uma delas está dizendo. Riem e voltam a caminhar. Encontram um banco. Põem as mãos nos quadris e vão se aproximando do banco até soltar o corpo ali. As quatro senhoras agora estão quietas. Passo andando e duas delas me acompanham com a cabeça. Elas voltam a olhar para frente e eu as espio até trombar com Louis Armstrong que canta What a Wonderful World em meu ouvido:

I see trees of green, red roses too.
I see them bloom, for me and you.
And I think to myself... what a wonderful world.
I see skies of blue, and clouds of white.
The bright blessed day, the dark sacred night
And I think to myself, what a wonderful world...

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Maiô Islâmico


A primavera levou embora os casacões, escancarando corpos que o inverno alimentou durante praticamente seis meses.

No final de maio as piscinas estarão abertas novamente. Depois de dois verões carregando a bandeira do biquini e da mulher brasileira em primeiro lugar, amarelei. Desisti de caber a todo custo dentro do biquini, e decidi ir atrás de um biquini que caiba em mim, como dizem por aqui.

Fui com uma amiga americana à loja de maiôs para me ajudar a escolher algo mais apropriado.

- Que bacana, eles vendem roupas também.

- Dri, são maiôs!!!

- Claro, logo vi...

Pegamos um monte deles e fomos ao provador. Espelhos imensos me encaravam para a prova dos nove. Era eu e eles ali. Ignorei o infeliz do reflexo e mergulhei de vez sem prender a respiração. Sem frescura provei o primeiro biquini. Meus amigos...coisa esquisita.

- E aí, ficou bom?

- Parece que estou de fralda, é muito estranho este treco.

- Tá ótimo.- disse minha amiga- o meu tá pequeno demais.

- Pequeno????

É meus caros, mais uns invernos por aqui e acabo dentro de um maiô em estilo Islâmico.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Tesourão

- Vem logo manhê!

Tranquei a porta de casa e caminhei até o carro carregando uma tesoura de jardim quase do meu tamanho. (o que não quer dizer muita coisa)

- Mãe, que é isto?
- E por quê este sorriso estranho Dri?
- Vocês verão!

Depois do almoço, no caminho de volta pra casa, pedi para parar o carro. Peguei o tesourão e contei:

- Bem ali, no meio do matagal, tem uma fartura de azaléias. Elas estão vermelhas, não pertencem a ninguém e toda vez que passo por aqui fico tentada a roub... quer dizer, colher...

Jú soltou o cinto de segurança , sentou no chão do carro e cobriu a cabeça. Laura, atrás daqueles olhos que me encaravam, tentou me apoiar:

- Que que tem, né? Olha mãe, só não vou junto com você porque ...porque...

Desci do carro com o tesourão na mão e atravessei a rua decidida.
Cheguei em casa carregada de flores:

- Nossa que lindas!- comentou a vizinha. Logo emendou desconfiada- onde você conseguiu?

Com as azaléias numa mão e o tesourão na outra, respondi:

- Ganhei de uma amiga. Lindas, não?

É minha gente, a primavera por aqui é simplesmente irresistível...

quinta-feira, 24 de abril de 2008

A Vizinha Indiana




Parei o carro em frente de casa e encontrei a vizinha na chuva. Ela havia perdido o molho de chaves e estava chamando socorro pelo celular. Fiquei tão feliz !
Nossa como a Adriana é malvada- vocês devem estar pensando. Mas é um consolo encontrar gente que também perde chaves!
Mas como não sou de toda ruim, a vizinha ficou na minha casa enquanto os profissionais, que abrem portas para avoados como nós, não apareciam. Ela é indiana por volta dos 52 anos. Mora há 20 anos nos Estados Unidos. Seu filho estuda fora e seu marido morreu há dois anos. Tomando café, diz:
-Neste país a gente só trabalha, trabalha, trabalha...
Olha pela janela, e continua:
-Quando ele(marido) era vivo, ainda eu ia mais ao cinema, viajava. Agora...
Perguntei se ela conhecia a família indiana que mora há duas casas.
-Sabe- disse sentando na beirada da cadeira- os indianos- olhou para os lados e continuou num tom mais baixo- gostam muito de fofocar, prefiro não ficar muito próxima. Na sua frente é uma beleza, mas basta você dar as costas...
Depois de dar o último gole, deixou a xícara de café na mesa e ainda mais na beirada da cadeira, segredou-me:
-Sabia que seu vizinho foi da CIA?
- Hum, hum.
- Coisa, né. Não conheço muito as pessoas aqui. Só aquela moça, sabe, que a polícia apareceu umas três vezes?
- Não faço idéia.
- Ela aluga o basement. E isto é proibido.
O moço do chaveiro chegou.
- Assim que me aposentar, volto pra Índia. Obrigada pelo café.
Dei tchau da porta, e por via das dúvidas, não dei as costas....

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Terras



No livro Grandfather's Journey- (A Jornada de meu Avô), o narrador conta história de seu avô que sai do Japão para viver na América. No início o avô se encanta pelo país, mas depois de um tempo, começa a sentir falta de sua terra natal. Volta para o Japão, mas se sente confuso: "O engraçado - diz o avô-é que no momento em que estou em um país, sinto-me homesick pelo outro." Decide voltar para os Estados Unidos.


Catherine veio da Inglaterra e soube aproveitar a vida na América. A bem da verdade, soube lamentar um bocado também “... today I'm homesick!”. - dizia constantemente com os olhos atravessando o mar. Chegou a hora dos olhos levarem o corpo e a família toda de volta. Logo recebi um e-mail “ A gente só tem vento e chuva aqui. Vento e mais chuva. E eu tinha esquecido...isto é a Inglaterra!


“Ah se eu tivesse aproveitado minha vida de dona de casa suburbana!” Aconselhou uma amiga brasileira arrependida de desperdiçar o tempo que morou aqui a se queixar dos americanos, do marido, do frio...De volta ao Brasil, ao mesmo trabalho, a realidade chispou com a saudade.

A menina Cath aprendeu a falar nos Estados Unidos, e agora, aos 9 anos, tem que começar de novo em Taiwan: “As letras são diferentes, as brincadeiras, a escola também. Que saudade daí. Que saudade de vocês. Saudade de tudo”.- escreveu.

Há anos li um texto sobre a experiência de uma antropóloga: Depois de se entranhar em outras culturas, a sensação é de não pertencer nem a cultura dos outros e nem a sua.

Alguns amigos brasileiros fizeram bebês por aqui. Assim, sem se darem conta do solo em que pisavam, cresceu raíz.

No novo livro de Milton Hatoum, a epígrafe é tirada do poema A cidade, escrito pelo grego Konstantinos Kaváfis:

Não encontrarás novas terras, nem outros mares.
A cidade irá contigo.

A cidade primeira. Mas atrás delas virão as outras reivindicando seu pedaço de terra dentro da gente.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Palavra Chave



A bolsa está vazia jogada no meio da sala e uma trilha de objetos inúteis ao redor. O cesto de roupas sujas virado de cabeça para baixo e os jeans, camisetas e aquela maçarocada toda espalhada ao redor. Uma camiseta parou encaçapada no abajur ao lado da cama. Na mesinha de centro da sala estão as almofadas que foram tiradas do sofá. No sofá apenas alguns caroços de pipoca. Depois de meia hora vasculhando a casa toda, desisti de procurar a chave do carro e sucumbi a realidade. Sentei no degrau da escada com o telefone na mão. Liguei para a escola.
- Alô. Can I ajudar you?- atenderam do outro lado da linha.
Diga onde larguei a chaves???? Fala!!! Pensei, mas disse assim:
- Você poderia avisar que não vou aparecer aí hoje para o ensaio da ópera? É que.... não consigo achar a chave do carro. - diminui a voz com vergonha da confissão.
- What?
É minha filha, a chave sumiu, desapareceu, escafedeu-se, entendeu? Por um acaso a senhora nunca perdeu chave na vida????
Sei que vocês vão duvidar, dizer que arquitetei em detalhes o plano da chave para fugir de voluntariar na escola, ou que é manobra do meu inconsciente. Mas infelizmente, é pura e simples verdade.
No auge da procura, depois de esgotar o arsenal de palavras feias em português, comecei a pôr em prática os palavrões que aprendi por aqui. Sabe que fiquei orgulhosa em perceber como tenho ampliado meu vocabulário?
Tenho um porta-chaves na parede logo perto da porta. Por que não uso? Cada pergunta. Uso como objeto de decoração, uai!
Como não encontrei a chave , passei a pesquisar chaveiros camaradas: Descobri o que apita quando você bate palmas, assobia ou canta. " Acabam com horas de desespero", promete o anúncio.
Agora sim encontrei o chaveiro para os meus problemas.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Cherry Blossoms


Os congestionamentos são memoráveis- previnem os jornais.
O motivo de tanta aglomeração tem nome, Cherry Blossoms. São as tais cerejeiras , embora cereja mesmo, necas. No lugar da fruta, elas dão flores branquinhas ou rosas que aparecem uma vez por ano, logo no início da primavera, e duram apenas alguns dias. A árvore é uma espécie de patrimônio nacional no Japão, onde ela é vista como um símbolo da natureza efêmera da vida.

- No Japão- conta Yasuko, uma de nossas vizinhas- assim que as flores aparecem, a gente senta sob as sakuras e fica até à meia-noite bebendo saquê, comendo e apreciando

Domingo fomos até as margens do rio Potomac, onde a maioria das árvores doadas pelo Japão foi plantada. Marcamos de nos encontrar com uns amigos no metrô. Dan esperava atrás de seus óculos escuros e boné escondendo a cara de ressaca. Lisa sempre mais animada e Anna, filha deles, correu encontrar as crianças.

- Fui só uma vez quando eu era moleque para ver as cerejeiras- conta Dan- A bem da verdade, tem tantas delas espalhadas pela cidade, pra que mesmo a gente precisa ir até lá?

Dan me lembrou um amigo que acha museu um saco e praia um nojo com aquele monte de areia.
- Fui no ano passado- diz Lisa- mesmo com as as flores já quase todas no chão vale a pena ir.

Chegamos, que frio, arghhh.... Ninguém se preparou para enfrentar a baixa temperatura, afinal, fomos celebrar o início da primavera, não?
As crianças se aqueceram subindo nas árvores, arrancando as flores para nos presentear e levando pito dos guardas. Logo ficaram com fome. Compramos, em um quiosque, saudáveis hambúrgers com batatas fritas. Para beber, tivemos coca-cola ao invés do Saquê, infelizmente. Sentamos à beira do lago e Lisa me deu um presente de aniversário:

- E aí, como foi a comemoração?
- Fomos ao Nora, um restaurante que é uma delícia e o Ben Aflleck abriu a porta pra mim. Hehe, acho que era parte do meu presente.
- Jura!
- Tem um outro que é uma delícia.- diz Dan.
- Outro Ben Aflleck?- quis logo saber.
- Restaurante!!- riu Dan.
- O cara é um canastrão- setenciou aquele sujeito despeitado que é o pai das minhas filhas- e vocês fazem esta onda?

Sentados no chão, sob as belas e breves Cherry Blossoms, sonhamos com atores e comidas enquanto engolíamos nossos maridos e hambúrgers.

sábado, 29 de março de 2008

Sabor de Subúrbio


- Good morning Eidriana.
- Alô, quer dizer, hello, what horas são?
A vizinha convida para um passeio nesta manhã chuvosa. Ir com as crianças ao Costco. Este é um lugar conhecidíssimo por aqui, onde se vende de comida à computador.
- Tudo muito mais barato- ela garante.
Que Costco que nada. Esfreguei meus olhos e ia soltar logo o não vou nem morta...
- Passo aí daqui 20 minutos.-Decretou e desligou.
Entramos no carro dela.
- Já pensei em tudo.- diz ela- vamos comer uma pizza lá.
Numa mesa de plástico, abrimos uma enorme caixa.
-Hum, que delícia- diz a vizinha enquanto a menina mais velha concorda já de olho no próximo pedaço.
O difícil foi guardar as pizzas que trouxe pra casa. Tamanho GG, não entraram no congelador. Hehehe...

Em seguida fomos passsear com as quatro crianças, dois cães e uma bolinha.
Sarah, cão de uma amiga que está há uns dias na nossa casa e o cão delas, um labrador.
Sarah é ágil, pula, abocanha a bolinha se coloca na posição de espera para o próximo arremesso.
Enquanto isto, o outro cão pesado,continua empacado à despeito da torcida.
A vizinha oferece pequenas bolachinhas:
- Vai , go, go, go, pega a bolinha- exige, acenando um saco de bolachas compradas no Costco, como recompensa. Entre a bolinha e as bolachas, o cão decide cheirar os cantos. As duas meninas indignadas, donas do cão pesado, empurram o pobre.
- Go, pega a bola, vai...vai...anda...
O cão emperra. A pequena chora olhando o seu próprio cão. O pesadão não tem o espírito competitivo, tão valorizado por aqui.
- Ela já foi ligeira. - relembra a vizinha- Como a dona- ela completa, debochando de si.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Adinha dos Purga

Diz que a menina Adma morava numa cidade vermelha.
Tinha o cabelo vermelho preso numa trança feita e a outra desfeita.
Vai escutando...

Ada dos Purga tinha um bando de irmão mas só um par de sapato. Quer dizer, só um
sapato. No outro pé ela ela enfaixava pra disfarçar.
Barbaridade...

Quando ela completou 11 anos, sua mãe Olinda arrumou as trouxinhas da filha:
- Vai estudar em São Paulo.
Foi.
Vai escutando...

A menina, bem dizer, praticamente abandonada pela própria mãe ...
foi parar na casa de tias que não davam muita bola pra ela.
Mesmo assim Adinha repete diariamente que "sangue não é água."
Barbaridade...

Até que foi morar com as amigas na Casa Universitária. Amigas até hoje,
benza Deus...

Adinha dos Purga conheceu um moço, Miguel. Miguel, abandonou a noiva pra casar com a Adinha.
Vai escutando...

Assim como Dona Olinda e seu Assad, Ada dos Purga e Miguel tiveram 5 filhos. Quase um por ano.
A primeira filha nasceu com uma cara no meio de dois vivos olhos verdes.
Em seguida Ada dos Purga pariu o raio de sol da mamãe, com bilulu tão avantajado que quase foi trabalhar no circo.
A terceira filha nasceu linda, maravilhosa, "uma polaquinha!!!!"
Em seguida o quarto filho, ao ivés de chorar já chegou rindo, "o risonheta". Miguel, depois de analisar as feições do moleque, advertiu - "é melhor a gente parar por aqui, bem, este aí parece fim de raça".
Pararam. Mas cinco anos depois, esqueceram da promessa e chegou o caçulinha.

O casal ofereceu uma educação primorosa para os rebentos:
Aulas de Latim, para ajudar o amigo desempregado. Obras de arte na parede , eram os quadros do amigo que não conseguia vender nada e usava a casa de depósito.
Teatro, a família ia em peso fazer número na platéia vazia dos amigos.
E muita, muita música.
O casal brigava cantando. Ada dos Purga começava animada:

-Eu gostei tanto, tanto, quando me contaram, que te encontraram bebendo e chorando na mesa de um bar....mas enquanto houver voz em meu peito eu não quero mais nada. Só vingança, vingança...

O Miguelzinho, no seu pijamão listado com o dito cujo do pipi saindo da calça, o cabelo desgrenhado e cinco cigarros esquecidos no cinzeiro, revidava:

-Vou me embora daqui, vou procurar outro lugar...você só pensa em reclamar...
As crianças completavam a melodia batucando nos banquinhos da cozinha.

E no meio do batuque, das roupas jogadas pela janela, da casa cheia de gente, as crianças cresceram. Um dia o Miguelzinho saiu de casa.
No outro o coração dele batucou muito forte e parou.

Adinha dos Purga educou sozinha estes filhos monstros
Pouco depois um sobrinho foi morar com Adinha dos Purga. Passando de 5 pra 6 o número de filhos monstros. Tanto trabalho, pra quê? Tudo pérolas aos porcos.

Mais gente foi entrando na família, as noras monstros, genro monstro e alguns cães.
Aí os filhos montros começaram a fazer netos pra Adinha: O Dani- dengo, a Jú- jóia, a Laura- linda, a Tutuca- teca e a Marina- muleca.

Até hoje Adinha dos Purga reúne a família e os amigos em volta da mesa, onde sempre tem lugar pra mais um. Mas Adinha dos Purga nunca senta, rodeia, serve os outros, dá uns golinhos na sua cervejinha, uns tragos no cigarro e não pára de dizer que "Deu tudo errado na comida ".

Construíram prédios e mais prédios no bairro. Só uma casa resiste bravamente pulsando no meio do quarteirão. A casa da Ada dos Purga. "Amiga não repara a bagunça..."
Diz que a história da Adinha dos Purga não acaba nunca porque até hoje ela não conseguiu contar um caso atá o fim.
BARBARIDADE...

quinta-feira, 13 de março de 2008

Chiclete no Cabelo


"Fui dormir com um chiclete na boca e tem chiclete no meu cabelo..." este é só o começo de um terrível, horrível, nada bom, péssimo dia na vida de um menino no livro para crianças: Alexander and the Terrible, Horrible, No Good, Very Bad Day, de Judith Viorst.

As coisas só pioram a cada página. O refúgio do moleque é fantasiar que quando ele estiver na Austrália as coisas vão melhorar. O livro acaba com o pobre na cama e- desculpa- fodido e mal pago. Não aparece um mísero ser mágico para ajudar o garoto a atravessar seu lamentável dia. Além do humor, o livro nos consola mostrando que este tipo de coisa faz parte da vida de todo mundo.

Tentei fugir do meu terrível dia correndo. Calcei meu tênis e saí de casa no meu surrado abrigo e meu i-pod. Corri no frio. meu rosto quase congelou. Corri mais rapido. Quis deixar pra trás os três meses de inverno. Acelerei o passo. Árvores peladas. Fui mais rapido ainda. Voluntariado forçado no tranco dentro de casa. O fôlego do meu Horrible dia bateu o meu.

Vambora para Austrália ou pra Passárgada ou...

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Voluntários


A cultura do voluntariado aqui é forte. Para você ter uma idéia, chegam ao cúmulo de propor que trabalho voluntário seja obrigatório. Melhor mudar de nome, né? Vai pleitear o primeiro emprego? Além do diploma é bom mostrar que você ajudou gratuitamente a comunidade. O negócio começa cedo. As crianças são convidadas a arrecadar dinheiro para diferentes causas. Mas por trás da atitude louvável, há a professora prometendo prêmios para os pequenos se sua classe conseguir cifras melhores. A gurizada, confusa, esquece a que veio e passa a disputar míseras moedas no tapa. Outro dia pegaram uma adolescente no pulo. A falsária arrecadava um dinheirão para causas nobres e embolsava a bolada em causa própria.
Inúmeras vezes fui requisitada para voluntariar na escola em que as meninas estudam. Fugi o quanto deu. Até que uma das patrulhas do voluntariado- que é nossa vizinha de condomínio- me pegou na marra. Não apareci nas tais reuniões em que treinam os voluntários, mas fui lá para "ajudar no que for preciso".
-Tirar xerox.
-Xerox?
- Sim. Com folha furada.
- Que furada.
- Xerox sem folha furada também.
A sala de xerox estava lotada. A máquina era um troço moderno imenso. Milhões de botões. Assim que a sala esvaziou um pouco, e só estava uma outra mãe ali, pedi ajuda. A mulher olhou pra minha cara e para as pilhas de papéis que tínhamos na mão:

-Hehehe. Eu não faço a menor idéia de como isso funciona.- ela confessou-pensei que vc fosse me ajudar.

Depois de quase quebrar a máquina, desperdiçar montes de papéis, saímos de lá com o trabalho feito. E correndo, claro.


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Cartas




Fevereiro é o mês de Valentine por aqui. Algo como o dia dos namorados no Brasil, só que bem mais democrático: Solitário? Ganha presente. Criança? Troca cartões e chocolate com todos os colegas da classe. Está com aquele miserável que nunca te presenteia no dia dos namorados? Aí meus caros, mais fácil trocar de parceiro que de país.

Pois aproveitando o mote do Valentines day, lançaram uma exposição aqui em Washington onde o tema são cartas de amor de artistas americanos: "A Thousand Kisses: Love Letters from the Archives of American Art" (Mil beijos: Cartas de Amor do Arquivo de Arte Americano) As cartas não se restringem a textos, são uma mistura de desenhos, aquarelas, retratos e palavras, assim como os destinatários das cartas não se restringem aos pares românticos.

Todo mundo que faz mudança, tem que encarar aquela caixa com cartas, bilhetes e fotos amareladas. É muito mais fácil se desfazer de móveis do que abrir mão destas memórias de papel. Minha avó que fez 93 anos este mês é a prova mais viva da importância das cartas. Ela não lembra mais dos nomes e nem do rosto de muita gente da família. Mas ela sabe de cor trechos de cartas que ela acumulou ao longo da vida e rele inúmeras vezes.

Embora as cartas tenham este apelo, não há como negar as vantagens da tecnologia. A vida de imigrante hoje em dia é bem mais fácil. A gente se comunica via e-mail, faz ligação praticamente de graça pelo skype e vê os queridos pela web cam. Até parece que a distância que nos separa nem existe. Mas quando o carteiro aparece, ah meus caros... O moço grande de sorriso largo...ele sabe quando tem em mãos algo precioso, mais do que contas à pagar ou propaganda. Estas cartas o carteiro não larga na caixa do correio. Entrega em mãos.
Cartas...tão raras...