domingo, 28 de dezembro de 2008

Quem é Você?


- Oi vó linda! Que saudades!
- Oi bem. Quem é você mesmo?
- Sua neta. Adriana.
- Ahhhh. Muito bonitinha!
- Filha da Ada.
- Você conhece a Ada?
- Sim vó. A Ada, sua filha. Minha mãe.
- Minha querida! Você mora no meu coração.
- A senhora também mora no meu coração vó.
- Oi mãe.
- Quem é você?
- Seu filho Samir.
- Samir.
- Comprei isto aqui, vai resolver nossa vida.
- O que é isso tio?
- Crachá. Agora todo mundo vai usar crachá. Assim a Linda vai saber quem a gente é.
Na manhã seguinte a família toda carregava o nome no peito, até a neném de seis meses tinha um crachá no babador. Dona Olinda, que perdeu a memória mas ainda tem a vista perfeita, passou a ler os nomes escritos sem ajuda de óculos.
- Rosa Maria! Tão bonitinha.
- Oi Linda.
- Tamar. Sérgio. Kiki. Luana. Lucas.
Vó linda começou a cantar:
- Ciranda cirandinha, vamos todos cirandar- logo todas as pessoas presentes engrossaram o coro- vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar. -
Vó Linda findou a cantoria dizendo :
- Aleluia.- e levantou os braços pronta para os aplausos.
- Vamos passear com a Linda.
Na rua, duas moças passaram. Vó Linda diminui a velocidade dos passos e falou com a desconhecida:
- Oi querida. Como você está? Passa lá em casa tomar um café.
- Humhum- responderam segurando o riso.
- Quantos anos a senhora tem?
- Adivinha.
- Hum- disse a moça brincando- 33.
- Não, muito mais.
- 55.
- Mais.
- 70.
- Ela tem 94 anos- respondeu a nora da vó Linda.
- Aí também já é de mais!- rebateu vó Linda.
Em casa, vó Linda sentou no sofá, pegou uma revista e passou a ler as manchetes em voz alta:
- “Militares Acusam Exército de Punir Atuação Política.”
“Luana Piovani não Tem mais Dado. Dorme Sozinha”.
- Vó Linda, vamos tomar lanche.
- Geléia de morango. Suco de uva.
- Quer café Linda?
- Pão integral. Requeijão cremoso.
Vó Linda mal tocou na comida, mas leu o rótulo de todos os alimentos na mesa.
- Linda, eu lembro tanto do vô Assad.
- Ah, você conheceu o Assad?
- Ele era meu avô, lembro bem dele vó. E a senhora, lembra?
- Ele gostava muito de mim.
- E a senhora, não gostava dele?
- Claro. Mas sempre escondia um bocadinho.
Aos 94 anos, vó Linda, Olinda, não reconhece ninguém. Mas não esqueceu as sutilezas do jogo do amor.
- Onde você vai com esta mala bem?
- Para o aeroporto.
- Pra que vai embora?
- Tenho que ir vó. Vim só pra te ver. Dá um abraço...
- Tão bonitinha. Mora no meu coração. - pegou o jornal e continuou a ler as manchetes- "Delfim Neto avisou: transformando cocô em ouro e vendendo-o para otários."

“O passado nunca morre. Realmente, nem sequer passa”
William Faulkner

domingo, 14 de dezembro de 2008

Por que?







- Todo ano a gente tem que passar por isso! Por quê? -
Júlia acabou de me perguntar chorando, assim que voltamos pra casa.
Uma de suas melhores amigas acabou de partir.
Temos uma foto do primeiro aniversário da Júlia aqui na América. Com os rostos colados, sentadas num balanço, ela e quatro amigas rindo. Eleanor, com a faixa do Brasil no cabelo, voltou para a Inglaterra há mais de um ano. Connie, de camiseta verde, partiu pouco depois. Selma, a mais loira sentada bem no meio da foto, foi para África, faz dez minutos. Somente Anna e Júlia ainda estão por aqui.
Brindamos com eles a chegada de 2008.
E não é que os amigos que a gente dividiu o peru no último natal , também estão de partida?
E a despedida calhou de ser no mesmo dia. Duas numa tacada só.
Por que todo ano a gente tem que se despedir de alguém muito querido?
Isto é Washington DC, terra de gente de todos os cantos deste mundão.
Chega a hora que as coisas mudam. Alguns decidem voltar pra casa. Outros já não sabem mais onde é a tal da casa, então mudam o tempo todo de país. E tem aqueles que se instalam pra sempre por aqui . Eis o porquê. É da vida. Doce e amarga ao mesmo tempo.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Papai-Noel Fugiu Pelado



Quase trinta pessoas da mesma família estavam no quintal, aguardando. A pequena de dois anos chorava encarando aquele tio que desferia tapas e croques em um Papai-Noel de plástico:
- Seu Papai-Noel bobalhão- dizia enquanto continuava a bater no boneco, provocando as crianças que riam fazendo o mesmo com o tio.
A pequena chorava observando aqueles desvairados quando o verdadeiro Papai-Noel, ao menos era de carne e não de plástico, apareceu na varanda da casa. A menina se refez, a família vibrava. Mas o tio ficou ainda mais possuído. A menina não sabia a razão da ira do tio, mas o tio as tinha de sobra. Era o primeiro Natal que o tio não vestia a roupa vermelha e a barba postiça. Um dos sobrinhos estreou na função distribuindo presentes e muitos “Ho-ho-ho-ho”.
-Tá rindo de quê, infeliz?- o tio perguntou ao Papai-Noel estreante. Como pode, aquele sujeitinho dentro da roupa vermelha costumava receber presentes das mãos do tio e de repente, puxou-lhe o tapete! Roubou sua identidade.
Quem não lembrava do último Natal, quando as crianças descobriram a roupa do Papai-Noel sobre a cama do quarto do tio?
- O Papai-Noel fugiu pelado.- foi o que uma das crianças concluiu.
E quando perceberam que o dedão da mão do Papai- Noel também faltava um pedaço, exatamente como o dedo do tio! É, quase desvendaram a identidade do Papai-Noel e por isso o tio se aposentou da função.
Nunca mais vi um Papai-Noel original e divertido como aquele.
Volta tio Samir!!!!