terça-feira, 30 de setembro de 2008

Paiusco para Presidente




- Pra mim o Obama venceu o debate- sentenciou um dos jornalistas que acabara de voltar do Mississippi.
- Olhe, discordo- disse o cientista político- acho que o McCain se saiu muito bem no final. O Obama estava um pouco tímido.
- E aí, o Obama vence ou não?- sondou outro.
- Não ponho minha mão no fogo. Nas pesquisas não aparecem os eleitores que têm vergonha de confessar que não votam no Obama porque ele é negro.
- Você acha mesmo que o racismo nos Estados Unidos é deste tamanho?
- Não tenho dúvida.
- Mas o Obama é um preto muito do branco.
- Os mexicanos não suportam os negros, são os mais racistas de todos.
- Não é por racismo não. É porque os negros disputam mão de obra barata com eles.
- Pra mim- palpitou outra- o resultado das eleições vai depender do tempo.
- Tá doida?
- Tô nada. O voto não é obrigatório. Se chover, os republicanos mais velhos não saem de casa...
- Você está enganada. Republicano é capaz de subir ladeira em cadeira de rodas, mas por nada abre mão de votar.
- Pois nossa vizinha republicana contou que está decepcionada com o McCain. “Onde já se viu, colocar uma mulher de vice?“. E ela própria mulher, disse que nunquinha votará numa mulher, pode isso?
- Olhe- enfim falou o pai de minha amiga, com seu delicioso sotaque do Pará- comecei uma pesquisa aqui no bairro. E digo à vocês, o povo é preconceituoso.
- Ô paiusco- surpreendeu-se minha amiga- desde quando cê tá pesquisando?
- Minha filha, muito simples. Visto um boné escrito Obama e vou pra rua. Primeiro veio um negro, abriu aquele sorriso e fez sinal de positivo. Depois, um branco me mediu, eu disse hi, e o sujeito nem respondeu. E não foi só um não, aconteceu de monte.
Dentre tantos jornalistas, cientistas e mais istas, fico com o paiusco. Vou logo providenciar um bonezinho e sair com ele pelo bairro. Nem preciso concluir nada desta pesquisa, pois a companhia do paiusco vale mais que qualquer pacote econômico.
Bóra com a gente?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Um Legado de Trigo, Hortelã e Cebola


Eu tinha nove anos e passava férias na casa da minha avó no interior do Paraná. Imunda da terra vermelha da cidade fui interrompida por um senhor que segurou meu braço praticamente infartando:
- Adma. Adma. Não pode ser. Adma!!- o homem apertava ainda mais meu braço- Você é a cara da sua mãe, pensei que era ela e que o tempo tivesse voltado.
Foi bem aí meus caros, que jurei ser completamente diferente da minha mãe. Amo-a de paixão, mas é natural querer crescer e encontrar uma identidade própria. Assim fiz durante anos.
Mas acabei de descobrir e aceitar : Não adiantou morar nos Estados Unidos, a distância não me protegeu de ficar parecida com minha mãe, e de lambuja, um bocadinho parecida com todas as mulheres da família.
A grande matriarca era a bisavó Nazira. Sentava na mesa da sala, colocava a mistura de arroz e carne dentro da folha de uva e enrolava charutinho por charutinho, na maior paciência. Ela só parava quando ouvia o Cid Moreira, lembra do sujeito, dizer boa noite ao final do Jornal Nacional. A cozinha da vó Olinda cheirava hortelã e cebola enquanto ela preparava os mesmos charutinhos para encher a barriga de todos. Minha mãe não fugiu à sina, repetiu este ritual e ainda o faz. Se percebia tristeza nos filhos, minha mãe não conseguia dizer nada, nem pôr no colo, mas preparava suculentos consolos nas panelas de sua cozinha.
Nunca enrolei charutinho na vida. A não ser minhas filhas embrulhadas no cobertor quando eram neném.
- Enrola a menina na coberta, feito charutinho que ela fica quente e pára de chorar- aconselhavam as mulheres mais velhas da família.
Estava preparando a festa para celebrar aqui em casa os 60 anos de Meirelles e os 35 de Rita. A idéia era aproveitar da praticidade americana e colocar um monte de comida pronta na mesa, muita bebida e that's it. Mas quis oferecer algo especial e foi aí que as mulheres da minha família começaram a pipocar na minha cabeça. A bem da verdade, um pouco tarde demais. Depois de anos querendo me diferenciar delas, enrolar charutinho era uma empreitada muito além das minha parca habilidade. Fechei os olhos na tentativa de incorporar toda a árvore genealógica da família. Acabei fazendo quibe.
O tempero final foi dar muita bebida para os convidados. Assim, na hora da comida ninguém iria perceber muito que eu era uma árabe tardia.
A festa foi das arábias, ou bestial, como diria a Rita portuguesa.
E de certa forma perpetuei a herança maior da minha família:
A importância de celebrar a vida.
Parabéns queridos Meirelles e Rita. Quem sabe na próxima festa desisto de enrolar os convidados com bebida e enrolo os tais charutinhos.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Omelete de Amoras

Era quarta-feira, hora do almoço. Ao invés de comer em pé numa pausa no trabalho fui à casa da tia Ena, saborear a melhor comida árabe do mundo. Tia Ena estava sem cabelos por conta da quimioterapia. Mantinha-se altiva. Sentamos, falamos da vida enquanto o sabor do quibe aquecia. Ela contou das dificuldades do tratamento. Ouvi sem dizer palavra. Lembrei de como aquela mulher, minha madrinha, cuidou de mim a vida toda sem esperar nada em troca. Os inúmeros almoços na casa dela ou nos restaurantes em que trabalhou. Em casa éramos cinco, roupa eu costumava herdar as da irmã mais velhas. Roupa nova vinha só em dia de aniversário ou pelas mãos da tia Ena. Vestia sem tirar a etiqueta.
- Meu sonho sempre foi abrir um pequeno restaurante...Daqui a pouco vou ao hospital fazer um exame.
- Te levo.
- Não precisa minha linda- ela me chamava de minha linda- a Fê vem me buscar.
Na hora de ir embora dei à ela uma carta com a história que Walter Benjamin conta em Imagens do pensamento, chamada O Rei e a Omelete:
“Era uma vez um rei que tinha todos os poderes e tesouros da Terra, mas apesar disso não se sentia feliz e a cada ano ficava mais melancólico.
Um dia ele chamou o seu cozinheiro preferido e disse: "Você tem cozinhado muito bem para mim e tem trazido para a minha mesa as melhores iguarias, de modo que eu lhe sou agradecido. Agora, porém, quero que você me dê uma última prova de sua arte. Você deve me preparar uma omelete de amoras iguais àquelas que eu comi há cinqüenta anos, na infância.
Naquele tempo, meu pai tinha perdido a guerra contra o reino vizinho e nós precisamos fugir: viajamos dia e noite através da floresta, onde afinal acabamos nos perdendo.
Estávamos famintos e cansadíssimos, quando chegamos a uma cabana onde morava uma velhinha que nos acolheu generosamente.
Ela preparou para nós uma omelete de amoras, quando a comi, fiquei maravilhado: a omelete era deliciosa e me trouxe novas esperanças ao coração.
Na época eu era criança, não dei importância à coisa. Mais tarde, já no trono, vasculhei todo o reino, porém não foi possível localizá-la.
Agora quero que você me atenda esse desejo: faça uma omelete de amoras igual à dela. Se você conseguir, eu lhe darei ouro e o designarei meu herdeiro, meu sucessor no trono. Se você não conseguir, entretanto, mandarei matá-lo".
Então, o cozinheiro falou: “Senhor, pode chamar imediatamente o carrasco”.
É claro que eu conheço todo o segredo da preparação de uma omelete de amoras, sei empregar todos os temperos.
Conheço as palavras mágicas que devem ser pronunciadas enquanto os ovos são batidos e a melhor técnica para batê-los. Mas não me impedirá de ser executado, porque a minha omelete jamais será igual à da velhinha. “Ela não terá o sabor picante do perigo, a
emoção da fuga, não será comida com o sentido alerta do perseguido, não terá a doçura inesperada da hospitalidade calorosa e do ansiado repouso, enfim conseguido. Não terá o
sabor do presente estranho e do futuro incerto". Assim falou o cozinheiro.
O Rei ficou calado, durante algum tempo. Não muito mais tarde, consta que lhe deu muitos presentes, tornou-o um homem rico e despediu-o do serviço real.”

Descemos juntas no elevador. A tia Ena foi para o hospital e nunca mais voltou pra casa dela.
Ai que saudades da omelete de amoras....

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Só queria mudar...


A senhora sentada na cadeira alta, na frente do espelho, carregava nas mãos um xerox de documento com uma foto sua. Ao seu lado, descansava sua bengala. Seus cabelos completamente brancos destoavam da voz firme com que falava com a Taiwanesa:
- Não era assim que eu pedi para você cortar meu cabelo...
- Mas fiz assim da última vez...- respondeu a moça miúda, dona do salão, num inglês difícil de entender.
- Mas eu não queria igual da última vez. Tanto que trouxe esta foto para voce olhar. Se eu quisesse igual ao modo que você costuma cortar , para que traria a foto? Olha aqui menina, você deixou muito, muito curto.
- A senhora sempre gostou...
O menino careca, sobrinho da cabeleireira, parou de lamber seu sorvete para acompanhar a discussão. Encarava a tia, depois passava a olhar a senhora e a foto que ela trazia na mão.
- Eu queria mudar, entende?- a mulher balançou o papel em sua mão e continuou- olhe aqui...
- Sempre fiz assim...
- Santo Deus, eu queria mudar...será que você não entende?
A irmã da dona do cabeleireiro parou de pintar a unha da freguesa para fixar os olhinhos na cena.
- Veja, a senhora passa um produto no cabelo...
- Me dê um espelho para que eu veja atrás...
Uma das freguesas abaixou de soslaio a revista que tinha na mão e espiou o cabelo da senhora.
- Aqui está...- voltou a dona do salão com um espelho na mão, rodou a cadeira da mulher para que ela tivesse uma visão do corte atrás.
- Ohhhhhh....muito curto...muito.... olhe a foto, a foto...OK. Tá bem. Fazer o quê, né? Cabelo cresce, não é mesmo?
- É só passar um produto. Igual da última vez.
- Não está de todo mal... - disse por fim a senhora.
- Igual da última vez.- sorriu a cabeleireira.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Soccer Mom


A piada tirada do discurso de Sarah Palie e mais comentada nos noticiários e nas ruas até hoje é:
“Qual a diferença entre uma hockey mom e um pit bull? Batom.“
Soccer mom, ou hockey mom é a encarnação perfeita da mãe de subúrbio americano.
A mãe que é motorista orgulhosa dos filhos atletas e que acorda feliz todo sábado bem cedo para torcer pela cria.
Tudo aquilo que sempre tive HORROR de virar.
Como já disse outras vezes por aqui, sou uma mulher de palavra!
Resisti durante dois anos, mas....ops...acabei de sucumbir...
Não fazia idéia que tínhamos que levar cadeiras para sentar e torcer pela cria.
- Eidriana- disse aquela vizinha que costuma me acordar as 7 da matina- tenho uma cadeira aqui pra você.
A cadeira, carinos, não era qualquer uma não. Tinha o desenho da bandeira americana!!!
O time tem 3 técnicos, e se não bastasse, a maioria dos pais se considera no direito de gritar tentando jogar do lado de fora do campo. Uma das mães quase invadiu o campo várias vezes, dando ordens a torto e direito. Laura é a menorzinha. Os uniformes são todos tamanho extra G. A pequena entrou em campo com o short até a canela, caindo da cintura e a camiseta presa num elástico. No primeiro tempo ela tentou driblar o uniforme, no segundo Laura concentrou a energia e fixou na bola. A baixinha garrinchou as americanas grandalhonas.
Gol mesmo...ops... ela não fez...mero detalhe não é mesmo?
Os técnicos ficaram felizes :
“Laura looked like the light bulbs came ON in the 2nd half........ Bravo for Laura! We are very excited about her future contributions. She is ...coming on nicely! GO LAURA! “
Soccer Mom... eu achava ser possível resistir...
Go Laura, GO....

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Um Abraço!


No Brasil, quando uma criança chega pela primeira vez numa escola nova, a professora a recebe com um abraço. Afinal, melhor que palavra o gesto acolhe e ajuda no processo de adaptação.
- Olha, a gente chamou vocês aqui- disse a diretora da pré-escola para o casal de russos, pais do garoto de 4 anos-- porque o filho de vocês tem o incoveniente hábito de abraçar a professora. Vocês têm que conversar com ele....
Se na pré-escola chamam os pais quando a criança faz este ato obsceno de abraçar, na Middle School a direção da escola é bem mais explícita nas regras:
- Garotada, é o seguinte: Abraçou o amigo ou amiga, encostou ou fez elogios tipo “ai, como você tá bonita(o)” ganha suspensão na hora. Entendido?
- Mãe, entendido o quê ? Minha melhor amiga ia fazer um exame de entrar num tubo, tava morrendo de medo e eu não pude dar um abraço nela?? Agora, quando a gente rela em alguém já sai brincando: “Uuuuhhhhhh sexualizei!! Estou in trouble!”
- No meu país-disse uma brasileira para amigos americanos- quando a criança não abraça é sinal que tá muito travada, caso de levar logo pro psicólogo....
Talvez o negócio seja fazer um manifesto, como sugeriu a Jú. Bora angariar todos os latinos, franceses e Italianos e lançar um slogan: “Abraço esmaga, mas não mata”...
Carinos, e pra vocês, aquele ABRAÇO!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Tão Perto, Tão Longe




Estávamos há um ano sem ir ao Brasil. Assim que saímos do portão de desembarque, parei num abraço demorado do irmão que se dispôs a estar no aeroporto às 6:00 da manhã.
- Chega de Estados Unidos, né?-
Enquanto ele dirigia, contou as novidades da cidade:
- Vocês repararam que não tem mais outdoors?
- Uau, que diferença.
- Sem os outdoors dá pra ver ainda mais a feiúra de São Paulo.
E eu respirava feliz a minha cidade poluída. Ah, o que a saudade não é capaz...
Parados no trânsito me inteirei sobre as novas. A tia, aquela que no Natal jogou a dentadura pela janela e caiu na risada , está num asilo e agora distribui bengalada nas enfermeiras. Minha mãe enterrou várias amigas de uma vida e resiste bravamente com suas imbatíveis pílulas de humor. Decidiu lançar um manifesto com uma de suas amigas: “Idoso é para tombar. Não para jogar no chão!!!”.
Revi alguns amigos recém separados, outros que acabaram de ter filhos, a outra que trocou de namorado, de emprego, a que se descobriu doente a outra apaixonada. Pois é, o mundo rodou durante minha ausência.
Ganhei dois tickets para assistir a um concerto na Sala São Paulo. Virei turista na minha cidade. Procurando nossos lugares , tropecei num pé , cujo dono era um amigo que não via há vinte anos . Trocamos e-mails e corri sentar ao som do terceiro sinal. Este amigo colocou na comunicação eletrônica mais uma amiga perdida no tempo, e combinamos de nos encontrar os três num almoço. Substimei o tempo que se gasta para ir de um lugar à o outro em São Paulo e cheguei quando todos lá estavam. Um sujeito a mais do que o esperado. Amigo do amigo, marido da amiga? Não, tinham caçado o quarto integrante da trupe que lá estava para completar a mesa. Tanto tempo longe e parecia que tinha sido ontem. Esprememos a distância de vinte anos em uma hora de almoço. Saí de lá muito bem alimentada.
Ah, e os almoços de domingo na casa da mãe, o deixar a vida passar com aquelas pessoas ... o gosto do chocolate alpininho, o doce de leite em barra, a caipirinha e vida noturna em plena segunda-feira! Voltei tão impregnada de Brasil que quando cheguei em Washington ficou claro que eu estava do lado errado do Equador. Aí deu vontade arretada de voltar. Doeu. Mas com o tempo a vida voltou a rodar do lado de cá.
- Já passei por isso algumas vezes.- consolou-me uma amiga- ...voltei chorando. Mas depois de uma semana, esse sentimento passa. A vida engrena aqui e a gente esquece.
Fez dois anos de América. A cada dia fico menos perdida, embora o Brasil pulse forte em mim.
Como dizia Tom Jobim:
“Morar nos EUA é uma merda, mas é bom. Morar no Brasil é bom, mas é uma merda.”