sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Neve




"Snow, snow!"


Anunciava a vizinhança batento na porta de casa. Era a primeira neve do inverno colorindo de branco os galhos pelados das árvores. Era a primeira neve na vida das meninas brasileiras cobertas de agasalhos e gargalhadas.

Tudo parou: as escolas suspenderam aulas e todos foram dispensados do trabalho. Com bóias gigantes para escorregar na neve e roupas de astronauta nos juntamos ao grupo que nos esperava lá fora .
As crianças deitaram no chão, a neve caindo no rosto enquanto abriam e fechavam as pernas ao mesmo tempo em que subiam os braços até o alto da cabeça e voltavam com eles rente ao chão. Uma fileira de crianças fazendo o mesmo. Os braços subiam e desciam, pernas abriam e fechavam. Riam. Subiam e desciam, abriam e fechavam. Que raios era aquilo? Uma menina ruiva com uma bola de neve na boca me explicou.
"We are playing snow angel. "
A menina saiu do chão e mostrou o desenho de anjo que ficou marcado na neve com seus movimentos.

Mas depois de brincar de anjo vem a hora de encarar o inferno.

Já de noite, temperatura abaixo de zero, pijamas embaixo dos casacões, começa o barulhinho das pás limpando à frente das casas. Alguém cai a cada 5 minutos-o pior é quando o alguém é sempre você. Jogar sal no chão para evitar os...tombos, eheh, tarde demais. Acordar cedo, tirar as crianças da cama e só depois descobrir que as aulas começarão mais tarde, só depois de tirarem a neve da escola. Limpar o vidro do carro antes de ir para o trabalho. Virar a direção do automóvel para a esquerda e o infeliz simplesmente ignorar seu comando e ir para onde lhe der na telha.
Até que a neve branquinha fica preta. O caminhão empurrando o que sobrou passa e amontoa tudo. O sol passa e derrete tudo.

Derrete até a memória do inferno. E na próxima neve, sai todo mundo correndo brincar de anjo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Aula de Dança





A professora de dança usa uniformes combinando e cabelos que não desmancham nunca. Mas hoje a titular não apareceu. No seu lugar está uma professora substituta que deve ter acordado há poucos minutos. Com uma mão tenta acalmar a juba num rabo de cavalo e com a outra termina de comer suas bolachas e ligar o som.

- Nem tentem me comparar com a Suzane- avisa com a boca ainda um pouco cheia.- Eu sou diferente, minha aula é diferente!

Som na caixa e a aula começa.
Uma moça perdida no meio da sala não entende bulhufas as coordenadas da professora: vira para esquerda quando todos vão pra o lado oposto, gira o quadril quando é hora de balançar o pescoço. Até que a professora diz:

"Mambo".
Ah meus caros, aí a latina, só pode ser latina, se encontra, sorri e requebra como ninguém.

Ao seu lado uma japonesa cumpre as coordenadas meticulosamente. Concentrada, nunca ri. Seus movimentos no mambo parecem karatê.
Tem um velhinho americano no fundo da sala. Ele não está nem aí com as coordenadas. Ele gosta mesmo quando a professora diz- twist. O danado se solta e pela ligeira fechada de olhos faz a gente imaginar que aquele cabelinho branco voltou no tempo: as moças em fila para terem sua vez de deslizarem com ele pelos salões da cidade.
A moça mais alta da turma parece ser francesa. Ela sempre se coloca bem na frente do grupo e se admira no espelho. Provavelmente ela quase foi uma bailarina, e quase foi famosa. Segue o resto da turma, mas gosta mesmo é de criar sua própria coreografia. Altiva, acrescenta contra-passos entre os passos. A professora substituta pára de dançar e encarara a francesa, sem entender o que aquela figura está querendo...A francesa entende que o olhar de deboche é de admiração, e dá mais piruetas ainda.

A música continua. Uma senhora chega atrasada e se coloca na minha frente. Não tira o gorro preto com resquícios da neve que cai lá fora. Nem as luvas. Nem os óculos escuros. Ela dança assim mesmo.
-Samba- diz enfim a substituta.
Aí meus caros, parei de observar...ziriquidum, ziriguidum, ziriguidum, ziriguidum, dum, dum....





sábado, 5 de janeiro de 2008

Um País de Peso



-Hi.....tststs... quando cheguei aqui minha filha, eu era magrinha que nem você.


Setenciou uma das latinas. Ladinha!!!

Ao meu lado, várias mulheres, americanas e de nacionalidades diferentes, exibiam seus imensos traseiros, barrigas e braços, uma prévia do smeu futuro caso eu permaneça na América muito tempo.

Respirar por aqui é perigoso. Engorda. Água? Engorda. Mal voce sobe na balança e seu peso já vai para mais de 100, pois os americanos medem o peso em libras, não em quilos. É um susto.

Alguns meses depois, a mesma latina ladinha comentou com um sorriso:

- Você tá mais roliça, não tá?
Pensei em bater na mulher, só pensei, veja bem, ou aderir ao truque das americanas: vestir manequim dois números acima do real, a roupa fica sobrando e dá a ilusão de que estamos em forma.

Outra estratégia, que aprendi com uma amiga da Filipina, é só enviar fotos de rosto para os compatriotas.

- De corpo inteiro? Nem morta, todo mundo enche.- ela me precaviu.

Quando o pessoal engorda por aqui nem se aporrinha tentando suar para entrar na linha. Engordou, é só comprar manequim maior.

Há um programa na tv em que obesas aparecem. Ninguém ali está preocupado em perder nenhuma grama. O apresentador tenta levantar a auto estima da mulherada que já desistiu há anos de entrar na linha. Elas acabam o programa com aquele sentimento de "eu me amo, meus caros, nao importa o tamanho do meu traseiro."

Outro dia fui à um jogo de basquete e as cheer leaders adultas exibiam pompons nas mãos e barrigas balangando escancaradas num bustiê.

Tem uma musica aqui, Turkey Leg Woman de Doug Macleod, que é ótima para levantar a auto estima enquanto você está deitada no chão tentando a todo custo fechar o botão daquela calça que você adorava. O cara canta assim:

This is a protest song

What I protest against is skinny women

Everybody thinks that a skinny woman is so pretty (...)

I like a big woman

I like a woman with size

You see, I'm not a big man

So, when I make love

I like to get lost in there...

"Esta é uma música de protesto
Meu protesto é contra mulheres magras
todo mundo acha que mulher magra é maravilhosa(...)
Eu gosto de mulher grande
Eu gosto de mulher com tamanho
veja bem, eu não sou um homem grande
Então, quando eu faço amor
eu gosto de me perder lá..."
Então tá, né?