quinta-feira, 24 de abril de 2008

A Vizinha Indiana




Parei o carro em frente de casa e encontrei a vizinha na chuva. Ela havia perdido o molho de chaves e estava chamando socorro pelo celular. Fiquei tão feliz !
Nossa como a Adriana é malvada- vocês devem estar pensando. Mas é um consolo encontrar gente que também perde chaves!
Mas como não sou de toda ruim, a vizinha ficou na minha casa enquanto os profissionais, que abrem portas para avoados como nós, não apareciam. Ela é indiana por volta dos 52 anos. Mora há 20 anos nos Estados Unidos. Seu filho estuda fora e seu marido morreu há dois anos. Tomando café, diz:
-Neste país a gente só trabalha, trabalha, trabalha...
Olha pela janela, e continua:
-Quando ele(marido) era vivo, ainda eu ia mais ao cinema, viajava. Agora...
Perguntei se ela conhecia a família indiana que mora há duas casas.
-Sabe- disse sentando na beirada da cadeira- os indianos- olhou para os lados e continuou num tom mais baixo- gostam muito de fofocar, prefiro não ficar muito próxima. Na sua frente é uma beleza, mas basta você dar as costas...
Depois de dar o último gole, deixou a xícara de café na mesa e ainda mais na beirada da cadeira, segredou-me:
-Sabia que seu vizinho foi da CIA?
- Hum, hum.
- Coisa, né. Não conheço muito as pessoas aqui. Só aquela moça, sabe, que a polícia apareceu umas três vezes?
- Não faço idéia.
- Ela aluga o basement. E isto é proibido.
O moço do chaveiro chegou.
- Assim que me aposentar, volto pra Índia. Obrigada pelo café.
Dei tchau da porta, e por via das dúvidas, não dei as costas....

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Terras



No livro Grandfather's Journey- (A Jornada de meu Avô), o narrador conta história de seu avô que sai do Japão para viver na América. No início o avô se encanta pelo país, mas depois de um tempo, começa a sentir falta de sua terra natal. Volta para o Japão, mas se sente confuso: "O engraçado - diz o avô-é que no momento em que estou em um país, sinto-me homesick pelo outro." Decide voltar para os Estados Unidos.


Catherine veio da Inglaterra e soube aproveitar a vida na América. A bem da verdade, soube lamentar um bocado também “... today I'm homesick!”. - dizia constantemente com os olhos atravessando o mar. Chegou a hora dos olhos levarem o corpo e a família toda de volta. Logo recebi um e-mail “ A gente só tem vento e chuva aqui. Vento e mais chuva. E eu tinha esquecido...isto é a Inglaterra!


“Ah se eu tivesse aproveitado minha vida de dona de casa suburbana!” Aconselhou uma amiga brasileira arrependida de desperdiçar o tempo que morou aqui a se queixar dos americanos, do marido, do frio...De volta ao Brasil, ao mesmo trabalho, a realidade chispou com a saudade.

A menina Cath aprendeu a falar nos Estados Unidos, e agora, aos 9 anos, tem que começar de novo em Taiwan: “As letras são diferentes, as brincadeiras, a escola também. Que saudade daí. Que saudade de vocês. Saudade de tudo”.- escreveu.

Há anos li um texto sobre a experiência de uma antropóloga: Depois de se entranhar em outras culturas, a sensação é de não pertencer nem a cultura dos outros e nem a sua.

Alguns amigos brasileiros fizeram bebês por aqui. Assim, sem se darem conta do solo em que pisavam, cresceu raíz.

No novo livro de Milton Hatoum, a epígrafe é tirada do poema A cidade, escrito pelo grego Konstantinos Kaváfis:

Não encontrarás novas terras, nem outros mares.
A cidade irá contigo.

A cidade primeira. Mas atrás delas virão as outras reivindicando seu pedaço de terra dentro da gente.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Palavra Chave



A bolsa está vazia jogada no meio da sala e uma trilha de objetos inúteis ao redor. O cesto de roupas sujas virado de cabeça para baixo e os jeans, camisetas e aquela maçarocada toda espalhada ao redor. Uma camiseta parou encaçapada no abajur ao lado da cama. Na mesinha de centro da sala estão as almofadas que foram tiradas do sofá. No sofá apenas alguns caroços de pipoca. Depois de meia hora vasculhando a casa toda, desisti de procurar a chave do carro e sucumbi a realidade. Sentei no degrau da escada com o telefone na mão. Liguei para a escola.
- Alô. Can I ajudar you?- atenderam do outro lado da linha.
Diga onde larguei a chaves???? Fala!!! Pensei, mas disse assim:
- Você poderia avisar que não vou aparecer aí hoje para o ensaio da ópera? É que.... não consigo achar a chave do carro. - diminui a voz com vergonha da confissão.
- What?
É minha filha, a chave sumiu, desapareceu, escafedeu-se, entendeu? Por um acaso a senhora nunca perdeu chave na vida????
Sei que vocês vão duvidar, dizer que arquitetei em detalhes o plano da chave para fugir de voluntariar na escola, ou que é manobra do meu inconsciente. Mas infelizmente, é pura e simples verdade.
No auge da procura, depois de esgotar o arsenal de palavras feias em português, comecei a pôr em prática os palavrões que aprendi por aqui. Sabe que fiquei orgulhosa em perceber como tenho ampliado meu vocabulário?
Tenho um porta-chaves na parede logo perto da porta. Por que não uso? Cada pergunta. Uso como objeto de decoração, uai!
Como não encontrei a chave , passei a pesquisar chaveiros camaradas: Descobri o que apita quando você bate palmas, assobia ou canta. " Acabam com horas de desespero", promete o anúncio.
Agora sim encontrei o chaveiro para os meus problemas.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Cherry Blossoms


Os congestionamentos são memoráveis- previnem os jornais.
O motivo de tanta aglomeração tem nome, Cherry Blossoms. São as tais cerejeiras , embora cereja mesmo, necas. No lugar da fruta, elas dão flores branquinhas ou rosas que aparecem uma vez por ano, logo no início da primavera, e duram apenas alguns dias. A árvore é uma espécie de patrimônio nacional no Japão, onde ela é vista como um símbolo da natureza efêmera da vida.

- No Japão- conta Yasuko, uma de nossas vizinhas- assim que as flores aparecem, a gente senta sob as sakuras e fica até à meia-noite bebendo saquê, comendo e apreciando

Domingo fomos até as margens do rio Potomac, onde a maioria das árvores doadas pelo Japão foi plantada. Marcamos de nos encontrar com uns amigos no metrô. Dan esperava atrás de seus óculos escuros e boné escondendo a cara de ressaca. Lisa sempre mais animada e Anna, filha deles, correu encontrar as crianças.

- Fui só uma vez quando eu era moleque para ver as cerejeiras- conta Dan- A bem da verdade, tem tantas delas espalhadas pela cidade, pra que mesmo a gente precisa ir até lá?

Dan me lembrou um amigo que acha museu um saco e praia um nojo com aquele monte de areia.
- Fui no ano passado- diz Lisa- mesmo com as as flores já quase todas no chão vale a pena ir.

Chegamos, que frio, arghhh.... Ninguém se preparou para enfrentar a baixa temperatura, afinal, fomos celebrar o início da primavera, não?
As crianças se aqueceram subindo nas árvores, arrancando as flores para nos presentear e levando pito dos guardas. Logo ficaram com fome. Compramos, em um quiosque, saudáveis hambúrgers com batatas fritas. Para beber, tivemos coca-cola ao invés do Saquê, infelizmente. Sentamos à beira do lago e Lisa me deu um presente de aniversário:

- E aí, como foi a comemoração?
- Fomos ao Nora, um restaurante que é uma delícia e o Ben Aflleck abriu a porta pra mim. Hehe, acho que era parte do meu presente.
- Jura!
- Tem um outro que é uma delícia.- diz Dan.
- Outro Ben Aflleck?- quis logo saber.
- Restaurante!!- riu Dan.
- O cara é um canastrão- setenciou aquele sujeito despeitado que é o pai das minhas filhas- e vocês fazem esta onda?

Sentados no chão, sob as belas e breves Cherry Blossoms, sonhamos com atores e comidas enquanto engolíamos nossos maridos e hambúrgers.