quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Fio Maravilha!



“Fio Maravilha! Nós gostamos de você! Ti-ri-ti-ti-ti-ti-ri-ti! Fio Maravilha! Faz mais um pra gente ver!"
O carro balançava com a nossa cantoria:
"Sacudindo a torcida aos 33 minutos do segundo tempo."

Era noite de Natal. Estávamos a caminho da casa de uns amigos brasileiros. O Fio Maravilha inusitado no rádio e um frio brutal nas ruas de Maryland. As árvores peladas exibiam galhos mirrados enfeitados com luzinhas.

Pouco antes de sair de casa, falamos pelo Skype com a família, que estava reunida na casa da minha avó. No telefone, a Bisa me chamou de “a minha neta preferida”. Era uma maneira de me agradar, já que ela não tem mais idéia de quem eu sou. "Minha neta preferida" é como a Vó Linda chama qualquer uma que a chame de Vó.

Antes mesmo da nossa ceia começar, a ceia no Brasil já estava acabando, por conta da diferença de fuso horário. Soube que no meio da comilança, com tantos filhos, netos e bisnetos, a Vó Linda perguntou: “Esta gente toda, que horas vai embora?” Soube também que uma irmã da Vó Linda tirou a dentadura e jogou pela janela. Depois riu. Riu muito.
Aqui, longe da família e do país, o rádio continuava: “Fio Maravilha! Faz mais um pra gente ver!”

Lembrei da minha Bisavó Nazira, tataravó das minhas filhas. Já bem velhinha, a Bisa Nazira chegava na nossa casa com sua bolsa pretinha na mão. Sentava no sofá. Pouco depois, levantava e dizia: “Vou dar uma volta.” Com seus passos miúdos, sumia pelos quartos de nossa casa e voltava com a bolsa cheia de coisinhas que havia achado pelo caminho: fivelas de cabelo, pequenos brinquedos, perfumes. Voltava de seu "passeio", nos chamava e distribuía nossos pertences dizendo que eram presentes que havia comprado pra gente.
Estas lembranças antigas, com as notícias novas da família e a companhia dos amigos brasileiros esquentaram nossa fria noite do primeiro Natal passado por aqui.
"Que a galera agradecida assim cantava:
Fio Maravilha! Nós gostamos de você!
Fio Maravilha! Faz mais um pra gente ver!"

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Mania americana

Nove da manhã toca o sinal. As crianças caminham para as classes, em filas e sem correr. Nem tente correr! Na sala, o dia começa com o "Morning Show". As crianças se revezam no comando do juramento à bandeira americana apresentado no canal de tv interno da escola. Todos, de pé e com a mão no coração, recitam o juramento:
"I pledge allegiance to the flag of the United States of America", e blá, blá, blá.
Ah meus caros, caso você esteja atrasado e o juramento comece antes que você consiga chegar à sua sala pare imediatamente seja lá onde estiver, no corredor ou quiçá até no banheiro, e faça como os outros: mão no coração e a mesma ladaínha.

- Quando a gente chegou eu não sabia falar inglês quanto mais juramento à bandeira- contou minha filha mais velha- Sabe o que eu fazia? Deixar cair qualquer coisa no chão só para pegar e disfarçar. Ah, também me escondia no lugar que a gente guarda as mochilas.
-Na minha classe tinha a letra na parede. Eu só mexia a boca, sabe tipo dublar?

Outra maneira de encarar a hora da bandeira é brincar, sem que te descubram, com silly putty.
Silly putty é uma mania entre as crianças daqui. É uma massinha de muitas utilidades: serve para modelar, pregar desenhos e até quadros na parede, e principalmente, para as crianças se distraírem quando a aula está chata:

- Fico brincando com o meu silly putty na aula de Estudos Sociais. Às vezes, enquanto estou assistindo a aula, começo a pensar numa música... é que a professora fala muito, daí todo mundo quer falar alguma coisa.- contou J.
- E você, não tem nada pra falar?- perguntei.
- Não. Eles falam que o bisavô lutou na querra, que o pai está no Iraque consertando avião. Só de guerra e guerra. Ninguém da nossa família foi, está ou vai pra guerra. Vou falar o quê? Que acho a guerra ridícula? Olho para a cara deles enquanto minhas mãos brincam com o silly putty embaixo da mesa.

É minha gente, os pequenos têm que aguentar esta ladaínha diária da bandeira nas escolas ou falar do absurdo da guerra do Iraque que o Bush inventou.
Por isso eu defendo: Silly putty na mão da molecada.


quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Achei o papai!


Num momento de saudade braba, a menina achou uma camisa do pai esquecida no armário. Tirou-a do cabide e dormiu abraçada nela. O pai tinha ido para Washington na frente, e ela só iria encontrá-lo três meses depois. De manhã, encontrei a camisa, vazia de gente, delicadamente ajeitada na poltrona em que o pai costumava sentar:

- O papai tá lendo jornal.- as meninas me informaram e voltaram a brincar.

Na manhã seguinte, acordei com uma discussão das duas:

- O papai já ficou muito com você, agora é minha vez!

- Não, ele é meu.

Cada uma segurava uma manga da camisa e tentava garantir o "pai" para si.

- Júlia, Júlia, olha só, você deixou o papai cair no chão!

E assim a camisa passou a fazer parte da nossa família. Frequentava os almoços de domingo na casa da avó, sentava toda manhã na poltrona para ler o jornal, e participava de sessões filme pipoca.

Na semana passada saiu uma matéria no Washington Post contando sobre os "Flat Daddies". São pais de mentirinha das crianças cujos pais de verdade estão na guerra. Uma mãe teve a idéia de fazer um boneco pai. Representou o sujeito numa silhueta de papelão com uma foto ampliada grudada onde seria o "rosto". O papelão senta na cabeceira da mesa nas refeições, ao lado dos filhos na hora da lição de casa, sai nas fotos de família, ou seja, participa do dia-a-dia das crianças. A partir daí a idéia decolou e os tais "Flat Daddies" passaram a ocupar o lugar vago nas casas dos soldados que estão na guerra.

E você, já teve um pai camisa massarocada ou um Flat Dad?