terça-feira, 26 de junho de 2007

Protetor de ouvido

L., alta, duas vezes eu. Fala rápido. Dirige, toma café e masca chiclete, tudo ao mesmo tempo. Há três anos voltou de Nova York. Trabalha o dia todo. O marido é músico. E ronca. Ela usa protetor de ouvido para dormir.
A. tem mais sorte. O marido não ronca. Ela ronca. Ele ainda não dorme com protetor de ouvido. Usa o cotovelo quando precisa.
C., inglesa, escreve livros didáticos. Está aqui quatro anos e prestes a voltar para Oxford. Tem loucura por antiguidades. Seu marido, que nem é tão antigo assim, ronca. Ela dorme com protetor de ouvido.
E eu? Gente, neste momento me dei conta de uma qualidade escondida de meu marido. O sujeito não ronca. Nem eu. Ainda.
Mas há outros motivos para usar os tais protetores.
T. e S., um casal brasileiro que mora aqui, alugavam um apartamento numa rua muito barulhenta, o que os obrigava a dormir com o tal protetor de ouvido.
Uma noite o barulho foi maior que a capacidade do protetor de proteger. O barulho continuava incomodando, e ela enfiava o treco mais para dentro do ouvido. Nada. Empurrava o treco de novo. Nada. Pela manhã o protetor tinha sumido. Ela e o marido tentaram puxar o troço. Nada. Foram ao pronto-socorro para que alguém resolvesse o caso. Levaram oito horas para tirar a coisa. Quase estouraram o tímpano dela.
Meu marido não ronca e moro no sossego do subúrbio. Eu estava quase me sentindo imune até um amigo contar que anda sofrendo com o barulho da natureza.
duas semanas ele acorda de madrugada com o canto do mesmo pássaro. É um tipo comum que vive por aqui. Vermelho, lindo e barulhento. Depois de observar um bocado o dito cujo, comprou um livro especializado no assunto. Sentava de pijama na janela, encarava o infeliz e até cantava para ele. Meu amigo estava obcecado, nem dava mais bom dia. Mal me via e começava a contar que horas o pássaro tinha tirado ele da cama, e imitava o bicho cantando. Desistiu de entender o pássaro vermelho. Aderiu ao protetor de ouvido, em prol de sua sanidade física e mental.
Nuca imaginei que o treco pudesse ser tão útil e popular.
Aqui vai mais uma dica. Além de ganhar dinheiro na faixa de pedestre para ser atropelado e ganhar indenização, abrir lojinha de protetor de ouvido pode ser um bom negócio na terra do Tio Sam.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

A bruxa


A bruxa está sentada na cadeira de balanço. Corcunda. Balança-se. Vincos ao redor da boca. As unhas dos pés longas e vermelhas não cabem na sandália. Uma menina de uns dois anos ri, a bruxa bufa:
-Dá papel pra ela desenhar!
É uma maneira delicada que a bruxa tem para mandar a criança calar a boca.
Ms. Maloney é o nome da bruxa, professora da nossa caçula. Este é um dia especial, antes das férias, em que os pais foram convidados a assistir a apresentação de seus filhos. Cada um vestido a caráter apresenta uma personalidade importante da história americana. Após algumas dicas, somos convidados a adivinhar a identidade do sujeito.
Um garoto vestido de aviador é logo identificado como um dos irmãos Wright, que eles consideram os pais da aviação. Minha vontade era levantar e dizer que eles não sabem de nada, que quem inventou o avião foi Santos Dumont e que a Ms. Moloney é uma bruxa. Mas claro que em vez disso aplaudi o garoto.
Laurinha foi incumbida de apresentar a história de Martin Luther King. Os cabelos escondendo o rosto, o texto na mão e a gravata do pai pendurada no pescoço, arrastando no chão. Deu uma risadela e ajustou o nó, fingindo ser o personagem. Os pais riram.
-- Hummm -- a bruxa pigarreou, indicando que ali não era lugar de brincadeira.
Laurinha fez sua apresentação em inglês fluente, ninguém diria que há pouco a pequena não falava necas da língua.
Depois fomos ao piquenique e à entrega de presentes para a bruxa. Uma das mães fez um discurso em nome de todos agradecendo o excelente ano em que nossas crias passaram sob as rédeas curtas da bruxa. Não aplaudi. Bruxa, bruxa, bruxa. Soube depois que essa mãe escolheu a bruxa para ser professora de seu filho porque o moleque é muito indisciplinado, só uma bruxa para controlá-lo. Pobrezinho, bruxa mãe, bruxa professora.

domingo, 3 de junho de 2007

Clube




Fomos à piscina. Assim que chegamos, as meninas dispararam num pinote para a água.
“PRRRIIIIIIIII!”
Era o apito do salva-vidas. De pé lá na sua cadeira, encarava minhas filhas com reprovação. Um casal de amigos americanos explicou. Aqui é tudo organizado. Por meia hora a piscina é toda dos adultos. Mesmo que não tenha adulto reivindicando a raia. Depois, outro apito anuncia que as crianças estão liberadas para entrar. Regras são regras. Ah, nem pense em correr em volta da piscina. O homem apita.
Deitada na espreguiçadeira, Júlia observava as crianças escondidas em biquínis parecidos com os que minha bisavó usava. Tímida, olhou para o próprio biquini e se enrolou envergonhada na toalha. Laura bufava, como se não aguentasse esperar a vez.
Para mim, estava difícil segurar os quilinhos a mais dentro do biquini brasileiro e evitar que fossem expostos em terra estrangeira. Lisa, a amiga americana, usava duas peças, bonitas e gigantes. Pela boa forma ela poderia até usar um biquini brasileiro. Comentei que eu estava me sentindo fora de lugar. Ela contou de uma amiga que aterrizou em pleno Rio de Janeiro atrás de seu biquinão. Sentiu o mesmo.
“PRRRIIIIIIIII!”
Era a vez das crianças. Splash! Mergulhei também para não continuar me sentindo fora d’água.