sábado, 31 de março de 2007

Palmas no Parabéns


Nossa caçula, Laura, fez oito anos.
Aqui as festas para crianças duram duas horas cravadas. Convida-se de cinco a dez amigos. Os pais, todos ao mesmo tempo, chegam no horário agendado para recolher os rebentos na porta. Ninguém entra para comer um pedaço do bolo ou tomar uma cervejinha. Este é o script usual no país.
Procuramos seguí-lo, mas foi impossível!
Demos uma festa em casa para dezoito crianças. Tudo correu bem. Na hora do parabéns seguimos o ritual universal: apagamos as luzes, chamamos todos, acendemos as velas e:
“Paaaaaa...”
O Baltha e eu começamos a puxar a melodia do parabéns pela primeira sílaba, esticando para que todos se juntasssem a nós e déssemos continuidade juntos. Só que ninguém nos seguiu. As crianças olhavam para nós com cara de:
“Que raios está acontecendo?”
Enquanto nossas filhas envergonhadas lamentavam o “mico”.
E nós lá: “Paaaaaa...”
OK. Entendemos. Erramos o idioma. Desculpem. Largamos o “Paaaaaaa...rabéns” brasileiro e começamos o “Haaaaaa...ppy” americano. Em uníssono as crianças nos acompanharam. Mas sabe o que descobri? Parabéns americano não tem palmas. Pensa que é bobagem? Experimenta cantar parabéns sem acompanhamento das palmas! E em inglês, meus caros. Não quis nem saber, a festa era da minha filha e fiz do jeito que aprendi desde sempre. Em inglês, tudo bem. Mas as palmas ninguém tira de mim.
Claro que, além das bexigas, estouramos o tempo da festa. Quando os pais chegaram para buscar as crianças, elas ainda estavam com a venda nos olhos tentando furar a piñata, o balão cheio de doces. Mas só acertavam nosso braço! Alguns pais aderiram à brasilidade com muito gosto. Entraram, comeram e bateram papo.
Depois disso, além da bola de futebol, os americanos ficaram fãs daquela outra bola marrom, doce e deliciosa. Devem estar passando mal até agora, pois os brigadeiros acabaram em um minuto.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Alarme

Fritava um ovo: Disparou o alarme de incêndio da casa.
A temperatura subiu ligeiramente: Disparou o infeliz.
As meninas estavam brigando: O alarme gritou mais alto que elas.
O maldito alarme é uma bola pequena que fica grudada no teto da sala, próximo à cozinha. O teto é alto. Eu, minúscula. Tenho que pegar cadeira para alcançá-lo, mas ele não quer nem saber:
“Uoóóóuóoooooouóóó.....”
O bicho é muito assustado.
Conversando com uma amiga, ela contou como o marido resolveu a questão:
“Ele arrancou fora.”
Perfeita a solução!
Eu já estava em cima da cadeira, desta vez para arrancar a língua do barulhento, quando ela me dissuadiu da idéia. As casas aqui são feitas de material altamente inflámável. Incêndio e esquilo aqui é como banana no Brasil. Então tá, né? Melhor se previnir e aguentar o dito cujo a correr o risco de virar carvão.
“Tá vendo aquela casa ali- dizia uma amiga- queimou. A outra de portão vermelho. Queimou...”
Nunca tinha visto tanto carro de bombeiro em ação. A melodia da sirene é música de fundo da cidade. Experimenta dar umas batidinhas na parede de sua casa no Brasil. Dói a mão. Aqui, você escuta o eco. Deve ser por isso que nos filmes de ação americano os hérois quebram a parade com um mísero soquinho. E eu que atribuía o feito à força do galã...
Quem deve gostar das paredes ocas é nosso vizinho, ex CIA. Provavelmente ele escuta tudo o que se passa por aqui sem precisar usar nenhum tipo de maquinária complicada.
Lembra aquela história dos três porquinhos? O primeiro construi sua casa de palha, o outro, de madeira. Todas foram ao chão. Só o terceiro porquinho, ergueu a sua com tijolos. Firme.
Como a casa que eu morava aí no Brasil. Ai Brasil, meu sólido e saudoso terceiro mundo...

domingo, 11 de março de 2007

Troca de estação


Supermercados entupidos de gente. Filas de carrinhos cheios de pipoca, bolachas e tudo que é tipo de lanche americano. Televisão, jornal, rádio e vizinhos anunciando: “Vai nevar muito amanhã. Cinco polegadas! As escolas ficarão fechadas.” Fiquei tentando imaginar um morrinho de neve, mas não soube calcular quanto as tais cinco polegadas significavam. Mesmo assim, ficou claro que eu teria que suspender tudo para ficar em casa com as crias sem aula. Bem, finalmente elas veriam neve caindo para valer. Corri para comprar roupas e brinquedos apropriados para a gente se divertir. Fui para uma das imensas e famosas lojas de departamentos daqui, onde, como diria minha mãe, “tem de um tudo”. Entrei e dei de cara com sandalinhas, bermudas e maiôs. Roupas mais apropriadas para o clima do Brasil. Pensei:
“Nossa, a gente acha de tudo mesmo. Que maravilha!”
Só que depois de rodar a loja todinha não vi nada de roupa de frio, muito menos roupa para neve. Quando consegui achar uma vendedora para me ajudar, porque elas são o artigo mais raro, perguntei onde encontrar o que eu procurava.
“Minha cara”, disse a mulher. “Nós já estamos na primavera.”
“Primavera? Mas está nevando! A temperatura está 15 graus abaixo de zero lá fora!”
“Querida, nós estamos vendendo a coleção da próxima estação. A do inverno já era.”
Terminou de falar e deu as costas para mim.
Eles podem acabar com o inverno, mas não com a nossa diversão. Depois de muito rodar, consegui encontrar roupas e brinquedos em uma loja especializada em esportes radicais.
É, meus caros, o pessoal aqui faz tudo com antecedência.
Mas me disseram que no Japão é ainda pior. Lá, se o calendário diz que amanhã começa o inverno, pode estar um calor africano que sai todo mundo para a rua de casacão. A temperatura não importa, mas o calendário sim.
Talvez seja a hora de eu parar de me indignar e me adaptar logo aos costumes locais, aprendendo a planejar a minha vida aqui, ou... a nossa volta para o Brasil.