sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Um ano na terra do Tio Sam




"Quem diria! Há um ano as meninas estavam aqui assustadas, esperando o ônibus para o primeiro dia de aula. Não falavam nem entendiam inglês. Agora não têm um pingo de sotaque."

Eu, com o mesmo velho e forte sotaque, concordava com os vizinhos.

No primeiro dia de aula é habitual que pais e mães acompanhem os filhotes até o ponto, munidos de filmadoras e máquinas fotográficas. Esqueci as minhas e fiquei só observando minhas filhas. Laurinha comemorava animada que estava livre da "Bruxa Maloney", a antiga professora. Mas agora ela tem que se enquadrar nas ordens da irmã. Júlia vibrava em seu primeiro dia como integrante da patrulha infantil que tenta manter a disciplina nos ônibus escolares aqui. Vestindo seu cinturão amarelo, um sorriso que estava impossível de controlar, Júlia agora é uma "patrol", como elas dizem. Imagina a vida da caçula tendo que acatar ordens da irmã mais velha?
Senti falta de Cathy. A garota de oito anos, com a camiseta sempre arrumadinha para dentro da calça, não pegará mais ônibus aqui. Voltou com a família para Taiwan, depois de quatro anos nos Estados Unidos. Deve estar lá, tendo que se virar para entender chinês e se readaptar a própria cultura.

A família veio à nossa casa se despedir no dia de partir. Como é costume deles, tiraram os sapatos antes de entrar. Estavam esbaforidos carregando vasos de plantas, um cachorro de pelúcia para as meninas lembrarem da Cathy e uma panela chinesa. Eu sou meio inábil com panelas, ainda mais uma cujas instruções de uso estão em chinês. Mas adorei os presentes e entendi o abraço que me deram. Eles se foram.

O ônibus apareceu. As crianças formaram a fila. Júlia, revestida da autoridade que conquistou, ajudou os pequenos a entrar, depois acenou para nós, toda cheia de si.

domingo, 26 de agosto de 2007

O país das Cidas


"Cida, quero leite."
Cida, como tantas outras, trabalha diariamente na casa de uma família brasileira. Cozinha, limpa, passa, cuida das crianças e leva a culpa quando algo na casa some:
"Cida, onde você colocou minha mochila?"
Até a pequena de três anos já sabe disto. Depois de bagunçar a sala com seus brinquedos, colocou a mão na cintura:
"Oia a bagunça que a Cida deixou!"
Um amigo contou que num final de semana a família se preparava para sair e o filho de 11 anos ainda estava descalço. Quando foi questionado, o menino rebateu :
"Mas ninguém me deu os sapatos, pô."
O garotão já beija as meninas na boca e vai ao cinema sozinho, mas se a "Cida" da sua casa está de folga, o tigrão mia... Pode?
Outra amiga contou que contratou uma motorista para trazer a filha e outras crianças da escola para casa. As crianças esticavam o pé de um jeito que quase acertavam a cabeça da mulher, que preferiu largar o emprego. Minha amiga teve que se virar e buscar as meninas na escola até acharem uma substituta:
"Agora sou a nova motorista", brincou.
"Você não precisa ser empregada, a gente tem dinheiro", a filha respondeu, acabando com a brincadeira.
Por aqui as "Cidas" ganham em média 100 dólares para trabalhar por quatro horas. Têm carro e casa própria e passeiam nos finais de semana. As famílias têm que dar conta de viver sem elas.
Para nós que estamos acostumados com a mordomia, é difíicil se adaptar no começo.
E não são só as Cidas. No Brasil, tem o frentista do posto para encher o tanque do carro, o moleque que carrega as compras do supermercado. Aqui, meus caros, pode estar nevando que você tem que se virar sozinho.