quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Voluntários


A cultura do voluntariado aqui é forte. Para você ter uma idéia, chegam ao cúmulo de propor que trabalho voluntário seja obrigatório. Melhor mudar de nome, né? Vai pleitear o primeiro emprego? Além do diploma é bom mostrar que você ajudou gratuitamente a comunidade. O negócio começa cedo. As crianças são convidadas a arrecadar dinheiro para diferentes causas. Mas por trás da atitude louvável, há a professora prometendo prêmios para os pequenos se sua classe conseguir cifras melhores. A gurizada, confusa, esquece a que veio e passa a disputar míseras moedas no tapa. Outro dia pegaram uma adolescente no pulo. A falsária arrecadava um dinheirão para causas nobres e embolsava a bolada em causa própria.
Inúmeras vezes fui requisitada para voluntariar na escola em que as meninas estudam. Fugi o quanto deu. Até que uma das patrulhas do voluntariado- que é nossa vizinha de condomínio- me pegou na marra. Não apareci nas tais reuniões em que treinam os voluntários, mas fui lá para "ajudar no que for preciso".
-Tirar xerox.
-Xerox?
- Sim. Com folha furada.
- Que furada.
- Xerox sem folha furada também.
A sala de xerox estava lotada. A máquina era um troço moderno imenso. Milhões de botões. Assim que a sala esvaziou um pouco, e só estava uma outra mãe ali, pedi ajuda. A mulher olhou pra minha cara e para as pilhas de papéis que tínhamos na mão:

-Hehehe. Eu não faço a menor idéia de como isso funciona.- ela confessou-pensei que vc fosse me ajudar.

Depois de quase quebrar a máquina, desperdiçar montes de papéis, saímos de lá com o trabalho feito. E correndo, claro.


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Cartas




Fevereiro é o mês de Valentine por aqui. Algo como o dia dos namorados no Brasil, só que bem mais democrático: Solitário? Ganha presente. Criança? Troca cartões e chocolate com todos os colegas da classe. Está com aquele miserável que nunca te presenteia no dia dos namorados? Aí meus caros, mais fácil trocar de parceiro que de país.

Pois aproveitando o mote do Valentines day, lançaram uma exposição aqui em Washington onde o tema são cartas de amor de artistas americanos: "A Thousand Kisses: Love Letters from the Archives of American Art" (Mil beijos: Cartas de Amor do Arquivo de Arte Americano) As cartas não se restringem a textos, são uma mistura de desenhos, aquarelas, retratos e palavras, assim como os destinatários das cartas não se restringem aos pares românticos.

Todo mundo que faz mudança, tem que encarar aquela caixa com cartas, bilhetes e fotos amareladas. É muito mais fácil se desfazer de móveis do que abrir mão destas memórias de papel. Minha avó que fez 93 anos este mês é a prova mais viva da importância das cartas. Ela não lembra mais dos nomes e nem do rosto de muita gente da família. Mas ela sabe de cor trechos de cartas que ela acumulou ao longo da vida e rele inúmeras vezes.

Embora as cartas tenham este apelo, não há como negar as vantagens da tecnologia. A vida de imigrante hoje em dia é bem mais fácil. A gente se comunica via e-mail, faz ligação praticamente de graça pelo skype e vê os queridos pela web cam. Até parece que a distância que nos separa nem existe. Mas quando o carteiro aparece, ah meus caros... O moço grande de sorriso largo...ele sabe quando tem em mãos algo precioso, mais do que contas à pagar ou propaganda. Estas cartas o carteiro não larga na caixa do correio. Entrega em mãos.
Cartas...tão raras...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Obamaníacas










-Votar numa mulher que nem "tchum" que o marido tava lá com a estagiária???? Não respeito alguém assim.- Sobressaiu a voz de uma das mulheres que esperavam a aula de dança começar.

-Ela quer o poder a todo custo, tá nem aí pro marido.- Reforçou a amiga que estava ao lado.- Ela é gananciosa.

- Podem falar o que quiserem- defendeu uma voz dissonante- Voto numa mulher pra Presidência.

-Trabalhei anos no congresso- emendou a mulher mais velha do grupo atrás da sombra nos olhos e muito batom- e todo mundo lá diz que o negócio da Hillary não é homem não....

-Falando em homem- interrompeu a outra- que pedaço de mal caminho o Obama...

-Sou mais o Clinton. O cara é bonitão. E se ela ganhar ele vai estar lá assessorando...

-Viu quanto dinheiro a Hillary colocou na campanha?

- Isto não é nada. Li no jornal que ela gastou muito mais com a plástica nas glândulas lacrimais. Só assim pra conseguir chorar daquele jeito em New Hampshire...

Risadas.

-Pra mim ela chorou de verdade.- Disse a moça tentando defender sua candidata.

- Enganação da macaca velha.-Tripudiu a mulher maquiada.

-Adoro ver o Obama falar: "Yes, We can, We can, We can..."- Bravejava uma dela.

- O pai dele abandonou a família quando ele tinha 2 anos...

-Eu sou capaz de abandonar meus filhos e marido por ele.

- Yes, we can!!

Som na caixa. Fim da prosa e começo da aula.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Cadê Minhas Gluvas?


A conversa entre as nossas filhas é uma mistura de inglês com português, o que tem criado uma terceira língua. Outro dia uma delas perguntou:
"Cadê minhas gluvas?"
A gente insiste para que elas falem em português em casa. Mas, afinal, onde é a nossa casa?
Visitamos nosso apartamento na última vez que fomos ao Brasil. Ele está alugado. Assim que saímos de lá, nossa caçula desabafou baixinho:
"O quê aquele menininho estava fazendo no meu quarto?"
No Brasil costumamos ficar na casa de minha mãe. A mesma casa em que meus irmãos e eu moramos quando crianças. Não havia prédios quando nos mudamos para lá. Hoje eles cercaram a casa, mas ela criou raízes e resiste acolhedora, bem no meio do quarteirão.
Comida "da vó", dengo "da vó". Mas depois da primeira semana vem aquela necessidade de "ir pra nossa casa" , que não é a da vó, nem o apartamento alugado na Vila Madalena e tão pouco a nossa aqui nos Estados Unidos.
Na"nossa casa" nos EUA, tem num canto da sala um "pedaço de Brasil". Parece um santuário: uma mesinha que pintei de amarelo, onde vivem três bonecas brasileiras de barro e uma mineira namoradeira.
Mas esta casa também não é a "nossa casa", porque estamos aqui temporariamente e um dia vamos voltar para o Brasil.
Depois deste tempo vivendo aqui, onde afinal é a nossa casa?

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Um Brinde

Pedimos vinho.

- Documentos, por favor.- exigiu o garçom.

-O quê? Como assim?
Estranhou uma amiga brasileira que estava aqui na terra do tio Sam nos visitando. Naquele mesmo dia ela participou de todas as manifestações que encontramos pelo caminho: da mega passeata de três mirradas mulheres contra a guerra, em frente a Casa Branca, ao super comício de uma mulher sem dentes gritando contra o Bush, contra o marido, contra tudo. Será que o garçon queria nossos documentos porque o homem, sim, Bush estava atrás dela?

Não meus caros, o garçom queria se certificar que éramos maiores de idade.UAU!!!!!! Isto sim merecia uma manifestação.

Pedimos para que meu amigo tirasse uma foto da gente mostrando os documentos e brindando. Afinal, chega uma altura na vida em que provar que é maior de idade é um fato a ser celebrado. Ele riu da gente, pode? Pura inveja só porque o garçom não pediu seu documento. Meu amigo também não pediu vinho, mas isto é mero detalhe.
Cá entre nós: o cara pediu nossos documentos não por conta da nossa maravilhosa estampa e sim porque vender bebida alcoólica aqui sem comprovar a idade do freguês é perigoso. Afinal, a idade biológica de cada um não pode ser medida pelo "acho que" dos garçons. Na terra do tio Sam fiscais pedem bebida alcoólica para testarem se o estabelecimento é cuidadoso ou não. Caso falhem, serão praticamente fuzilados. Por conta do medo de serem punidos, eles exageram no controle de idade.
Mas o bom mesmo é que a motivação por trás do ato não acabou com a nossa festa.
Afinal, o cara pediu nosso documento, isto é fato.
Por isso o vinho americano é tão saboroso: ele deixa a gente alegre antes mesmo do primeiro gole.
Cheers!!!