quinta-feira, 19 de abril de 2007

Balas perdidas

No ponto esperarando as meninas voltarem da escola, conversávamos sobre o massacre na Virgínia. A identidade do atirador ainda era desconhecida. Um dos pais que estava lá brincou:
“Parece que o cara era brasileiro. Hahaha.”
Tão engraçado que minha boca não mexeu nem naquele: “Rir para não morder.”
Coincidentemente, no mesmo dia, o Brasil estava na capa do jornal Washington Post. Uma imensa foto de um menino ilustrava a matéria sobre a violência nas favelas.
“Pois é, meu caro”, respondi. “O Brasil tem milhões de problemas para resolver. Mas este tipo de coisa, sujeito entrar matando a rodo em escolas, é típico daqui, não? Nos Estados Unidos tem bala mirada, no Brasil a gente sofre é de bala perdida.”
Ao lado, as três babás estavam a sofrer, em espanhol, de terra perdida:
“Podría vivir aquí toda mi vida, pero nunca, nunca podría parar a faltar mi país y el almuerzo de la família.”
“Oh, Chinita”, emendava a segunda, lamentando a falta do gosto de mamão papaya e da maneira de falar de sua gente.
Já Olguita, a terceira das mulheres, de tanta falta que sentia, nada falou. Mas enxugando o canto do olho, concordou com tudo. Colocou a mão no ombro da amiga e balançou a cabeça na cumplicidade de quem se reconhece como imigrante.
Acabei, eu também, perdida nas lembranças do meu país.

domingo, 15 de abril de 2007

Chocolate amargo

Nesta Páscoa, ao invés ovos, procurei meu carro.
Estacionei o dito cujo por cinco minutos em frente à uma loja de produtos brasileiros. Comprei os dois ultimos ovos, gigantes, que nos esperavam na prateleira. Esta operação durou cinco minutos. Saímos, Laura e eu, felizes com a idéia de devorar saudosos alpinos. Mas cadê o carro? Levaram. No Brasil, ladrões e trombadinhasos são responsáveis por este tipo de serviço. Por aqui são empresas privadas que cumprem a mesma tarefa.
A dona da loja, que já viu a cena inúmeras vezes, nos levou ao local onde os carros guinchados são largados. Ela se desculpou pelo transtorno e disse que iria colocar uma placa avisando do risco de deixar o carro ali.
O depósito de carros era uma espelunca. Numa minúscula casinha, um moço sentado nos recebeu com um sorriso de: "Eba, pegamos mais um trouxa". A parede era decorada com um quadro. Nele, o desenho de um cão bravo e escrito o seguinte: “Levamos apenas três minutos”. É meu caro, o povo aqui trabalha rapido.
Para compensar o prejuízo da multa, estou pensando em seguir o conselho de uma amiga: “Tá sem grana, vai para a faixa de pedestre. "
É que os EUA são o paraíso dos processos. Basta um carro dar uma raspadinha em você para seu bolso se encher de dolares.
Bem, quem sabe na próxima Páscoa ao invés de engolir outro chocolate amargo como o guincho, eu consiga uma indenização bem saborosa na faixa de pedestre.

sexta-feira, 6 de abril de 2007

Muitos anos de vida


Fiz aniversário outro dia. Completei 39 anos, outra vez.
Na aula de inglês, paguei mico. Tive que assoprar velas com uma amiga do Equador, que tem metade da minha idade. Meu professor, que já fez 39 anos umas trinta vezes, comprou um bolo. Ele é o tipo de cara que pinta os cabelos, bigode e as sombracelhas de cor de caju. Veste camisas floridas. Põe os pés na mesa enquando dá aula e tenta cantar todas as mulheres do mundo. Abandona a classe algumas vezes para fumar e tosse o tempo todo. Ah, mas faz musculação para compensar.
Bon, meu amigo coreano, nos convidou para um almoço em um restaurante. Seria a comemoração dos nossos aniversários e do aniversário de sua mulher, e também uma oportunidade para ele me apresentar à sua família. Fomos, Cristina, a amiga do Equador, Bon, sua esposa, Miza, seu filho de dois anos e eu. Miza conversou conosco numa mistura de coreano e inglês e com ajuda da interpretação de seu marido.
Eles têm o hábito de trocar de nome quando vem morar aqui; depois de sofrer porque ninguém consegue pronunciar corretamente os seus nomes de batismo. Quem sabe eu também faça o mesmo? Pois aqui me chamam de “Eidreiana”.
Bem, além de dois nomes eles têm também dois aniversários. Comemoram o aniversário lunar e o solar. Mas presente que é bom, meu caro, só um. Não consegui entender muito bem a lógica da coisa. Mas é como se a idade começasse a ser contada a partir da gestação. O fato é que quando o bebê nasce, ele já tem um ano. Deve ser por isso que os orientais sempre entram no livro dos recordes quando se trata de longevidade. É tudo balela!
Foi aí que decedi: Já que eles podem somar, eu posso subtrair e comemorar 39 anos novamente. Basta cuidar para não pintar o cabelo de caju como faz meu professor.