segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Omelete de Amoras

Era quarta-feira, hora do almoço. Ao invés de comer em pé numa pausa no trabalho fui à casa da tia Ena, saborear a melhor comida árabe do mundo. Tia Ena estava sem cabelos por conta da quimioterapia. Mantinha-se altiva. Sentamos, falamos da vida enquanto o sabor do quibe aquecia. Ela contou das dificuldades do tratamento. Ouvi sem dizer palavra. Lembrei de como aquela mulher, minha madrinha, cuidou de mim a vida toda sem esperar nada em troca. Os inúmeros almoços na casa dela ou nos restaurantes em que trabalhou. Em casa éramos cinco, roupa eu costumava herdar as da irmã mais velhas. Roupa nova vinha só em dia de aniversário ou pelas mãos da tia Ena. Vestia sem tirar a etiqueta.
- Meu sonho sempre foi abrir um pequeno restaurante...Daqui a pouco vou ao hospital fazer um exame.
- Te levo.
- Não precisa minha linda- ela me chamava de minha linda- a Fê vem me buscar.
Na hora de ir embora dei à ela uma carta com a história que Walter Benjamin conta em Imagens do pensamento, chamada O Rei e a Omelete:
“Era uma vez um rei que tinha todos os poderes e tesouros da Terra, mas apesar disso não se sentia feliz e a cada ano ficava mais melancólico.
Um dia ele chamou o seu cozinheiro preferido e disse: "Você tem cozinhado muito bem para mim e tem trazido para a minha mesa as melhores iguarias, de modo que eu lhe sou agradecido. Agora, porém, quero que você me dê uma última prova de sua arte. Você deve me preparar uma omelete de amoras iguais àquelas que eu comi há cinqüenta anos, na infância.
Naquele tempo, meu pai tinha perdido a guerra contra o reino vizinho e nós precisamos fugir: viajamos dia e noite através da floresta, onde afinal acabamos nos perdendo.
Estávamos famintos e cansadíssimos, quando chegamos a uma cabana onde morava uma velhinha que nos acolheu generosamente.
Ela preparou para nós uma omelete de amoras, quando a comi, fiquei maravilhado: a omelete era deliciosa e me trouxe novas esperanças ao coração.
Na época eu era criança, não dei importância à coisa. Mais tarde, já no trono, vasculhei todo o reino, porém não foi possível localizá-la.
Agora quero que você me atenda esse desejo: faça uma omelete de amoras igual à dela. Se você conseguir, eu lhe darei ouro e o designarei meu herdeiro, meu sucessor no trono. Se você não conseguir, entretanto, mandarei matá-lo".
Então, o cozinheiro falou: “Senhor, pode chamar imediatamente o carrasco”.
É claro que eu conheço todo o segredo da preparação de uma omelete de amoras, sei empregar todos os temperos.
Conheço as palavras mágicas que devem ser pronunciadas enquanto os ovos são batidos e a melhor técnica para batê-los. Mas não me impedirá de ser executado, porque a minha omelete jamais será igual à da velhinha. “Ela não terá o sabor picante do perigo, a
emoção da fuga, não será comida com o sentido alerta do perseguido, não terá a doçura inesperada da hospitalidade calorosa e do ansiado repouso, enfim conseguido. Não terá o
sabor do presente estranho e do futuro incerto". Assim falou o cozinheiro.
O Rei ficou calado, durante algum tempo. Não muito mais tarde, consta que lhe deu muitos presentes, tornou-o um homem rico e despediu-o do serviço real.”

Descemos juntas no elevador. A tia Ena foi para o hospital e nunca mais voltou pra casa dela.
Ai que saudades da omelete de amoras....

12 comentários:

Anônimo disse...

ô mulher, quase me fez chorar...
bj
M. A.

Anônimo disse...

adorei a história do omelete de amoras. Meus omeletes são os bolos de laranja que minha avó fazia. ai que delícia...
Andrea

Anônimo disse...

conhecia esta história que ficou mais linda contada na sequência da tia Ena.
bjs
Marina

Anônimo disse...

Esta é a tia que trabalhou naquele restaurante divino, Mandalum?

Anônimo disse...

dri, que história, lagrimei...

Anônimo disse...

Adriana
Sempre me delicio com suas histórias, mas não faço comentário. Desta vez nao resistí. Saudade de uma omelete de amoras ou de uma outra tia Ena...
Bj
A.

Anônimo disse...

eu nunca tive madrinha dedicada não. vc teve muita sorte com a sua tia ena.
bjs
Ana

Anônimo disse...

será que americano ainda tem memória do preparo da comida? Aí vem quase tudo pronto, pouca gente cozinha. Memória de Latas e caixas de comida pronta.hehehe

Anônimo disse...

linda homenagem a essa prima e tia
que sempre adorei.
bjs
WX

Unknown disse...

deve ser delicioso esse omelete de amoras!!!!!!!!
gostaria muito de um!!!
bjs

Unknown disse...

e eu que resolvi um dia (dentre outros vários) vestir uma roupa sua.Sabe o que aconteceu?apanhei em seu lugar!!!Mas tbm só eu recebi chocolates,balas,carinho etc etc......Como é bom lembrar!!!bjs deia

Adriana Abujamra disse...

Oi Andrea amada,
Também lembro de vc apanhando no meu lugar...te devo esta.
beijo grande
dri