quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Um Legado de Trigo, Hortelã e Cebola


Eu tinha nove anos e passava férias na casa da minha avó no interior do Paraná. Imunda da terra vermelha da cidade fui interrompida por um senhor que segurou meu braço praticamente infartando:
- Adma. Adma. Não pode ser. Adma!!- o homem apertava ainda mais meu braço- Você é a cara da sua mãe, pensei que era ela e que o tempo tivesse voltado.
Foi bem aí meus caros, que jurei ser completamente diferente da minha mãe. Amo-a de paixão, mas é natural querer crescer e encontrar uma identidade própria. Assim fiz durante anos.
Mas acabei de descobrir e aceitar : Não adiantou morar nos Estados Unidos, a distância não me protegeu de ficar parecida com minha mãe, e de lambuja, um bocadinho parecida com todas as mulheres da família.
A grande matriarca era a bisavó Nazira. Sentava na mesa da sala, colocava a mistura de arroz e carne dentro da folha de uva e enrolava charutinho por charutinho, na maior paciência. Ela só parava quando ouvia o Cid Moreira, lembra do sujeito, dizer boa noite ao final do Jornal Nacional. A cozinha da vó Olinda cheirava hortelã e cebola enquanto ela preparava os mesmos charutinhos para encher a barriga de todos. Minha mãe não fugiu à sina, repetiu este ritual e ainda o faz. Se percebia tristeza nos filhos, minha mãe não conseguia dizer nada, nem pôr no colo, mas preparava suculentos consolos nas panelas de sua cozinha.
Nunca enrolei charutinho na vida. A não ser minhas filhas embrulhadas no cobertor quando eram neném.
- Enrola a menina na coberta, feito charutinho que ela fica quente e pára de chorar- aconselhavam as mulheres mais velhas da família.
Estava preparando a festa para celebrar aqui em casa os 60 anos de Meirelles e os 35 de Rita. A idéia era aproveitar da praticidade americana e colocar um monte de comida pronta na mesa, muita bebida e that's it. Mas quis oferecer algo especial e foi aí que as mulheres da minha família começaram a pipocar na minha cabeça. A bem da verdade, um pouco tarde demais. Depois de anos querendo me diferenciar delas, enrolar charutinho era uma empreitada muito além das minha parca habilidade. Fechei os olhos na tentativa de incorporar toda a árvore genealógica da família. Acabei fazendo quibe.
O tempero final foi dar muita bebida para os convidados. Assim, na hora da comida ninguém iria perceber muito que eu era uma árabe tardia.
A festa foi das arábias, ou bestial, como diria a Rita portuguesa.
E de certa forma perpetuei a herança maior da minha família:
A importância de celebrar a vida.
Parabéns queridos Meirelles e Rita. Quem sabe na próxima festa desisto de enrolar os convidados com bebida e enrolo os tais charutinhos.

12 comentários:

Anônimo disse...

nossa! vc têm produzido muitos textos e maravilhosos. adorei.
M. A.

Anônimo disse...

dri querida, e vc nunca fez quibe pra gente!!! agora que sei de todo este legado, fiquei com vontade de provar..

Anônimo disse...

Sou de familia italiana, do tipo que fazia a própria a massa. Eu sou do tipo que vai no pastificio e com muito favor, cozinha um pomodoro... Mas em casa sempre foi assim tbm: Fazer comida é sinal de carinho, cuidado, e amor, muito amor!!! Mesmo que venha na embalagem da Sadia rsrsrsrs

Adriana Abujamra disse...

Tati,comida,cuidado e memória... imagino o cheiro da comida Italiana da sua infância...

Flávia, te prometo um banquete árabe...só não sei do resultado.

M.A, obrigada.

bjs
dri

Anônimo disse...

adorei o "Bestial". vou usar a torto e direito.pra falar que um filme é bom, será bestial,festa bestial, etc,etc...
seu blog então é BESTIAL!

Anônimo disse...

e eu achava que bestial era de besta! e é de legal. vou usar também, bestial, bestial, tchau.
chico

Anônimo disse...

pô, escondendo o jogo da gente! quer dizer que a menina sabe pilotar um fogão árabe, mas só para os amigos da américa....ingrata.
vicente

Anônimo disse...

Você encheu a cara dos convidados...vou aderir à sua tática.
bjs
Irene

Anônimo disse...

charutinho é delicia , experimenta comer charutinhos de criança quando ta cansada de so cuidar delas.
pimentita

Anônimo disse...

la pimentita, o título deveria ser-
Um legado de Pimentitas, Hortelã e Cebola. te amo filhota.
bjs
mãe.

Anônimo disse...

AGORA ENTENDO PORQUE DEUS TE SALVOU
QUANDO VC TINHA 4 ANOS E UM CAMINHAO PASSOU SOBRE VC E NADA LHE
ACONTECEU.
ELE NAO QUIS DESPERDIÇAR ESSE TALENTO.
BJS
WX

Adriana Abujamra disse...

WX, eu estava saudosa de ler seus comentários por aqui....que bom que vc voltou.
saudades
dri

vicente, nos seus 60 quem sabe já aprendi a pilotar fogão e enrolar charutinho...

chico, bestial te encontrar por aqui....

irene, esta tática ajuda um bocado.
inté