quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Os Tempos De Mao no MoMA



Há uma instalação maravilhosa no MoMA, em Nova York, de um
artista chinês chamado Song Dong. Ele juntou milhares de cacarecos que a mãe
guardou ao longo da vida para enfrentar períodos de escassez. Tem de tubo de pasta de dente vazio até bonecas sem pernas.

O resultado é impressionante e serve como uma aula sobre a cultura e a história dos
chineses.

Quem quiser saber mais, e não puder conferir in loco, pode espiar a matéria que escrevi para o EU&, suplemento cultural do jornal Valor Econômico.

Inté.

Artes Plásticas: Instalação de Song Dong é um tributo à memória de gerações que lutaram contra a pobreza que se seguiu à revolução na China.

Os Tempos de Mao no MoMA
Por Adriana Abujamra, para o Valor, de Nova York

O esqueleto de uma velha casa de madeira ocupa desde junho o salão principal na entrada do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA. Espalhados ao redor, milhares de objetos organizados meticulosamente: pedaços de sabão usado, latas vazias, relógios parados no tempo, bonecas sem perna, tubos de pasta de dente vazios. No alto, uma inscrição em neon: "Pai, não se preocupe, nós e a mamãe estamos bem".

O criador da instalação é o artista plástico chinês Song Dong, que organizou tudo com a colaboração de sua mãe, Zhao Xiangyuan. A estrutura de madeira no centro da obra eram os alicerces da casa onde ela vivia. Os objetos ao redor foram acumulados por Zhao durante uma vida inteira e ficaram guardados em sua casa por décadas.

Ao expor o estilo de vida e os pertences da mãe dessa maneira, a instalação de Song Dong oferece um painel fascinante da história do seu país e um tributo à memória de gerações que lutaram contra a pobreza no período que se seguiu à Revolução Comunista na China. Estima-se que mais de 30 milhões de chineses morreram de fome na década de 50.

A instalação foi montada pela primeira vez na China em 2005 e foi vista na Europa antes de chegar a Nova York, onde permanecerá até o mês que vem. Seu título original, que pode ser traduzido para o português como "Não Desperdice", é uma referência à palavra de ordem adotada pelos comunistas para incentivar a população a enfrentar períodos de escassez de alimentos e outros produtos.

"Praticamente toda família chinesa viveu experiências semelhantes", disse Song Dong ao Valor. "Quando um chinês vê esses objetos, ele não os vê apenas como coisas. Eles trazem a essência de uma época. Eles são muito particulares e, ao mesmo tempo, universais."

Numa visita recente ao MoMA, o consultor Song Cheng, que deixou a China há vários anos para trabalhar na Alemanha, sorriu ao ver uma bacia com desenhos azuis e vermelhos. "Não havia banheiro em casa e eu usava uma bacia igual a essa para escovar os dentes e lavar o rosto", contou. Sua avó também guardava todo tipo de objeto em casa. Mas agora que ela tem 95 anos e perdeu a memória, os pais dele deram fim às sua coisas sem que ela pudesse reclamar.

Cada objeto na instalação de Song Dong tem uma história para contar. Sua mãe começou a guardar as barras de sabão usado na década de 60, quando o produto era racionado nas lojas do governo e cada pessoa só tinha direito a meia barra de sabão por mês. Num texto que acompanha a instalação, Zhao conta como transformou o simples ato de lavar roupas numa sofisticada operação doméstica.

Quando tudo o que restava eram pedacinhos de sabão velho, ela juntava tudo dentro de trapos de pano que eram usados até que o último grama de sabão derretesse. Durante anos ela guardou pedaços de sabão e barras usadas pensando em dar de presente para os filhos quando se casassem. "Nunca pensei que eles pudessem se tornar desnecessários, agora que todo mundo usa máquina de lavar", escreveu Zhao. Algumas barras de sabão usadas na instalação são mais velhas do que seu filho.

Zhao nasceu numa família abastada e mudou-se com os pais para Pequim na década de 40. Em 1953, seu pai foi injustamente acusado de espionagem pelos comunistas e acabou preso. Sua mãe teve de cuidar sozinha da família e morreu de câncer pouco depois que o marido saiu da prisão. A família caiu na pobreza e Zhao casou-se nessa época.

Os objetos que agora compõem a instalação de Song Dong foram acumuladas por sua mãe durante 50 anos. Seu hábito de guardar tudo o que entrava em casa se acentuou depois da perda do marido, que morreu de enfarte em 2003. Ela se agarrou a seus pertences como se isso pudesse assegurar que nada mais lhe seria roubado. Os conflitos para evitar que os filhos jogassem fora seus objetos se tornaram frequentes.

"Quando eu era pequeno, me sentia privilegiado de viver numa casa tão cheia de coisas", diz Song Dong. "Depois que nosso padrão de vida melhorou, essas coisas se tornaram um peso. Mas minha mãe continuava a pensar nesses objetos como se fossem um tesouro."

Ele conta que a ideia da instalação surgiu como uma maneira de libertar a mãe da dor causada pela morte repentina do pai. "Aqui ela é o artista e eu sou apenas seu assistente", afirma Song Dong no texto de apresentação da obra. "Organizar suas coisas e reconstruir a velha casa trouxe felicidade para sua vida." A mãe de Song Dong morreu neste ano, pouco depois da abertura da instalação em Nova York.

Num lance irônico, a instalação ocupa agora um espaço nobre no mesmo museu que abriga algumas das obras mais conhecidas de Andy Warhol, o artista que fez do consumismo americano um tema central de sua produção, e num momento histórico em que a economia americana atravessa uma crise profunda e a China se transformou numa das maiores potências econômicas do planeta.

A mãe de Song Dong sempre achou que não podia se desfazer de nada porque tudo o que tinha em casa um dia poderia ser útil novamente. Quando a instalação foi apresentada ao público pela primeira vez, ela fez questão de lembrar isso ao filho: "Guardar essas coisas foi útil, não foi?" Acumulado dia após dia ao longo de uma vida inteira, a coleção de objetos de Zhao enfim reluz.

7 comentários:

Suzana disse...

Você escreve tão bem, só poderia ser jornalista mesmo. Acompanho seu blog há um tempo. Parabéns.

Suzana

Anônimo disse...

Adriana, minha mãe é assim até hoje, e nunca passou por guerra nem é chinesa. Será que se eu propor uma exposição consigo desentulhar a casa dela???

Tati disse...

Adorei o texto e lamento não poder ir a NY para ver... Bjo

Paulo disse...

Epa, pelo que sei vc não era jornalista. Mas vc leva jeito pra coisa menina.
abraço
Paulo

Unknown disse...

Adriana, ótima idéia, o artista transformou os cacarecos em arte e livrou a casa deles de entulho. Pena que ninguém queira expor as tralhas de minha mãe.

Adriana Abujamra disse...

Suzana, obrigada. Não sou jornalista, mas tenho feito algumas matérias como frila;

Tati, tão bom seus comentários, sempre estimulam.

Paulo, por onde anda?

Laura, quando a casa fica muito abarrotada, o negócio é virar artista na marra .

bjs
Adriana

Anônimo disse...

quisera eu estar em new York...