L., alta, duas vezes eu. Fala rápido. Dirige, toma café e masca chiclete, tudo ao mesmo tempo. Há três anos voltou de Nova York. Trabalha o dia todo. O marido é músico. E ronca. Ela usa protetor de ouvido para dormir.
A. tem mais sorte. O marido não ronca. Ela ronca. Ele ainda não dorme com protetor de ouvido. Usa o cotovelo quando precisa.
C., inglesa, escreve livros didáticos. Está aqui há quatro anos e prestes a voltar para Oxford. Tem loucura por antiguidades. Seu marido, que nem é tão antigo assim, ronca. Ela dorme com protetor de ouvido.
E eu? Gente, neste momento me dei conta de uma qualidade escondida de meu marido. O sujeito não ronca. Nem eu. Ainda.
Mas há outros motivos para usar os tais protetores.
T. e S., um casal brasileiro que mora aqui, alugavam um apartamento numa rua muito barulhenta, o que os obrigava a dormir com o tal protetor de ouvido.
Uma noite o barulho foi maior que a capacidade do protetor de proteger. O barulho continuava incomodando, e ela enfiava o treco mais para dentro do ouvido. Nada. Empurrava o treco de novo. Nada. Pela manhã o protetor tinha sumido. Ela e o marido tentaram puxar o troço. Nada. Foram ao pronto-socorro para que alguém resolvesse o caso. Levaram oito horas para tirar a coisa. Quase estouraram o tímpano dela.
Meu marido não ronca e moro no sossego do subúrbio. Eu estava quase me sentindo imune até um amigo contar que anda sofrendo com o barulho da natureza.
Há duas semanas ele acorda de madrugada com o canto do mesmo pássaro. É um tipo comum que vive por aqui. Vermelho, lindo e barulhento. Depois de observar um bocado o dito cujo, comprou um livro especializado no assunto. Sentava de pijama na janela, encarava o infeliz e até cantava para ele. Meu amigo estava obcecado, nem dava mais bom dia. Mal me via e começava a contar que horas o pássaro tinha tirado ele da cama, e imitava o bicho cantando. Desistiu de entender o pássaro vermelho. Aderiu ao protetor de ouvido, em prol de sua sanidade física e mental.
Nuca imaginei que o treco pudesse ser tão útil e popular.
Aqui vai mais uma dica. Além de ganhar dinheiro na faixa de pedestre para ser atropelado e ganhar indenização, abrir lojinha de protetor de ouvido pode ser um bom negócio na terra do Tio Sam.
Há 14 anos