quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Vô Assad





Assad chegou ao Brasil, vindo da Síria, aos 17 anos. Moço comprido, fino e de poucas palavras. Conheceu Olinda. Ele foi visitá-la umas três vezes, tendo a família dela policiando, como era de costume na época. No quarto encontro ele estava aprumado num terno e gravata esperando Olinda vestida de noiva. Após a festa, os dois foram para a estação de trem. Enquanto aguardavam em silêncio para embarcar, com as malinhas na mão, Olinda pensava o que seria exatamente esta tal lua-de-mel. Nazira, mãe dela, nunca explicou pra menina de 16 anos o que o casal faria ali. Mas Olinda era esperta, adivinhava da safadeza. Sentaram em silêncio.
- Piui-tcuctuctuctuc....
A paisagem começou a andar pela janela, Assad quieto. A menina então pensou:
- Quem é esse homem que vou viver pro resto da vida?- é, naquela época separar não era uma opção.
Olinda chorou, discretamente. Assad percebeu, não disse palavra, mas fez com que ela deitasse sua cabeça em seu ombro.
Viveram juntos a vida toda. Olinda parece que gostou da lua-de-mel, e os dois povoaram a casa com 5 filhos, depois netos, bisnetos. Vô Assad construi riqueza com esforço. Por isso tinha paúra de gastar dinheiro. Colocava gasolina, mas o mínimo necessário para andar uns poucos quarteirões na cidadezinha em que moravam. Não era bom de cálculo, e seu carro, uma Variant , deixava-o na mão sempre antes do destino final.
Jogava toda semana na loteria. Sempre coluna um.
- Mas vô- dizia meu primo- este time é muito ruim.
Assad não se abalava, marcava o cartão sem mesmo ler o nome dos times.
- Sabe porque?- explicava- se eu ganhar, ganho sozinho.
Lugar para guardar o dinheiro, caso ele ganhasse na loteria, ele já tinha. Era um cofre preto e grande, que só abria depois de virar o botão para a direita, para a esquerda, uma infinidade de números que só Assad conhecia o segredo. Imaginávamos tesouros de pirata lá dentro.
Depois de muito tempo espiando, conseguimos convencê-lo a abrir o cofre e mostrar sua fortuna. Vô Assad alto, rodeado dos pequenos netos curiosos, enfim abriu aquela porta. Apenas papéis, cartas e fotografias. Ficamos decepcionados, não tinha ouro reluzindo ali. Nem um tostão.
Não perguntei para meu avô de quem eram aquelas cartas, ou aquelas pessoas na foto.
Meu avô foi imigrante numa época em que não existia internet, skype e todos os apetrechos que tornam a vida de quem mora longe de casa um tantinho menor. Vô Assad nunca mais reviu seus pais, irmãos nem sua terra natal.
Há tempos ele morreu, mas a poltrona laranja ainda está lá com a marca de sua cabeça no encosto e o cofre preto também. Na época não entendi o valor do que ali era guardado.

11 comentários:

Anônimo disse...

Adriana, que texto lindo. parabéns.

Anônimo disse...

Meu avô não tinha cofre,mas era filho de imigrante italianos, cheios de histórias, que hj repetimos para as crianças!
Adriana, venho visitando seu site a tempos e nunca me apresentei... Fiz um site pro meu filho rafaaugusto.multiply.com, entra lá, e nos conheca um pouco, assim como conheço vc um pouco tbm! Um beijo

Anônimo disse...

Meu ,filho vc está indo para a frança fazer este rápido curso de engenharia ,quero q vc vá até a siria conhecer seu avô.
Imagine a emoçao do vô KALIL ,nunca
mais tinha visto o filho de repente está diante do neto.
nunca esquesço dele me abraçando e chorando, perguntando sobre o ASSAD.
Pena que minha avó já havia morrido.
bjs
WX

Anônimo disse...

Adriana,fiquei emocionada ao ler o seu texto.Você tem muito talento e sensibilidade. Parabéns.

Adriana Abujamra disse...

helô, e anônimo, obrigada pelos comentários.

Tati, suas visitas ao blog são muito bem vindas. Vou conferir o seu rafaugusto!

WX, que notícia! Quer dizer que vc conheceu o pai de Assad? Tem fotos? Precisa contar em detalhes.

Anônimo disse...

wx, a adriana contou do Assad, agora fiquei curios para saber do pai dele, o tal Kallil.
maria

Anônimo disse...

Estava curtindo um fim de tarde na
rua Augusta qdo me encontro com um colega de turma JORGE RAMALHO,que me disse que estaria indo para Paris ,fazer um curso ,e me convidou.

Duas semanas depois já
estavamos em viagem,primeiramente
em Portugal,depois o curso em Paris e finalmente a ida para o Orinte Médio.

Com os endereços fornecidos
chegamos a Beirute ,e já estavamos sendo esperado por um primo ,que era sub secretário de turismo,isto foi um ano antes da guerra dos seis dias(1967)quando o Egito invadiu Israel no dia do Yom Kippur. reinava a paz e BEIRUTE era tranguila.

Contratamos o ALI um motorista com um carro conversível
enorme seguimos para a Siria onde a familia ,vô Kalil , dois tios ,várias primas ,depois dos abraços e beijos iniciais ,entregamos as cartas e os presentes.meu avô chorava em cada frase da carta.Ele era uma pessoa tranguila falava pausadamente.Havia uma senhora que falava portugues ,mas os jovens tinham um bom ingles e os mais velhos, frances fluente.

Dias depois ,partimos para conhecer um tio que morava em MALAHA ,na cidade que meu Pai nasceu.No conversível foram quatro primas um tio o Ali , Jorge e eu.Era uma cidade no meio do deserto .

Fomos também até a Jordania conhecer uma tia.

Na casa do meu avô ,na hora da partida havia duas primas de malas arrumadas pretendendo vir conosco.
BJS
WX




.

Anônimo disse...

WX, como vc nunca me contou isto? a história é muito boa.
Quero ouvir mais quando eu for para o Brasil.
bjs
Dri

Anônimo disse...

Dri,

Ao ver os comentários do WX tive que fazer uma visita in loco ao personagem bizarro.

WX e eu estamos aqui em sua bela morada, com vistas para o Corcovado e Lagoa, lembrando de você e sentindo saudades.

Beijos
Pitsburgh Pirates

Tullius Detritus disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Pitsburgh Pirates!!!!Será que o gosto por pseudônimo é hereditário e vc é um dos filhos do querido WX????
bjs
dri